domingo, 23 de março de 2008

ENQUANTO A CHUVA CAI LÁ FORA (Poesia)

Enquanto a chuva cai lá fora
Fecho as portas e as janelas de mim mesma
Para que a melancolia que escorre pelas ruas não me inunde
Para que o tédio deste domingo,
Sempre prenúncio de segunda,
Não me afogue
Para que tudo o que vivi não se torne pequeno, dramático, simplório
E me faça querer sair por esta porta

Enquanto a chuva cai lá fora
Cubro-me de minhas melhores lembranças
Visto-me das mais ousadas promessas
Dispo-me daquelas que não cumpri
Rasgo aquelas que não mais me interessam
E, antes que o frio me invada, congelo
Imóvel, impune, insone

Quero a frieza sim
Não a do mundo, a que vem de mim
A que me estabiliza, ao passo que me petrifica
Quero a insensibilidade sim
Não a da pele, a do humor
A que me faz imune às oscilações do tempo e das medidas
Quero a dormência deste final de semana em casa
Quero a displicência do colchão no meio da sala
Quero não fazer nada e, ainda assim, me sentir repleta de tudo
Quero simplesmente o que já tenho
E a nada mais sucumbo
Quero tão-só o que cabe aqui dentro
Não quero nada que me trasborde,
Nem que me trespasse
Nem que me devore
E por isto não quero esta chuva:
A que insiste em nascer e escoar por dentro de mim
A que, em audácia, no passado, já me inundou
A que, em máculas, num futuro, poderia ser havida como suja
Não quero essas águas escuras
Que sempre, em espaço e futuro, me extrapolam
Quero o que há de claro,
O que há de raro,
O agora
E me protejo de mim e de minha própria chuva
Enquanto a outra cai lá fora.

(23/03/2008)

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