sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

DECANTAÇÃO

Onde decantam os sonhos?
No ventre da mulher grávida?
No banco de sêmen à espera de inseminação?
Na córnea daquele que nasceu cego?
Na clareira da escuridão?
Na parede que, estática, deseja ser pássaro?
No guindaste que, suspenso, deseja ser chão?

Onde decantam os sonhos?
No quesito que foi anulado?
No coração a ser transplantado?
Na ambulância que corre rumo ao atropelado?
No gabarito que aguarda divulgação?

Onde decantam os sonhos?
Na janela que aguarda ser fechada?
Na moça que, da janela, aguada a carta?
No embrião que teme ser abortado?
Nas cápsulas que aguardam pelo tráfico?
No futuro, no presente ou no passado?

Onde decantam os sonhos?
No Vaticano ou na Nigéria?
Nas cores que querem ser quadro?
Na moldura que quer ganhar tela?
No prato que esfria à mesa?
Na mesa que foge à miséria?

Onde decantam os sonhos?
No mapa, na bússola, na contramão?
Nos sapatos que aguardam passos?
Nos passos que aguardam rumos?
Nos rumos que aguardam pés?
Nos pés que aguardam sapatos?

Onde decantam os sonhos?
Além ou aquém de onde estamos?
Além ou aquém de onde estão?

Garimpando a realidade
Os sonhos decantam em si próprios
Separando o líquido do sólido
O possível do insólito
A espera de quem os sonhem
– não importa quando nem onde –
Com legítima sofreguidão.