terça-feira, 17 de dezembro de 2013

NÃO QUERO MAIS ESPERAR

Não  quero mais esperar
Chega de agulha suspensa
Baixa o braço da vitrola
Deixa a música tocar

Solta a corda
Que venha a guilhotina
Que rolem cabeças, quem sabe a minha
Que a dor seja logo sentida, intensificada, esquecida, silenciada
Que se calem os gritos
Não quero mais esperar

Aperta o play
Deixa rolar o filme
Com as piores e melhores cenas
Quem levantou, que perca a sequência e o lugar

Fechem a ultima porta
Desçam o ataúde
Joguem o primeiro punhado de terra
As flores hão de chegar
Não quero mais esperar

Vira a mesa e a pagina
A espera prolongada é desperdício de vida
E a vida escorre feito rio
Não se pode represar
Não quero mais esperar

Continuem suas falas
Reformem suas casas
Entreguem as alianças
Escolham o nome da criança
Comprem as passagens
Porque é impossível  esperar a viagem e, ao mesmo tempo, viajar
É impossível esperar vida e, ao mesmo tempo, viver
A morte nada mais é do que a vida suspensa no ar
Baixa o braço da vitrola
Aumente o volume
Diminua a demora
Deixa a vida tocar.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

TAÇA DE CARNE (Poesia)


Um sopro de razão me inunda
Faço planos e logo sinto medo
Crio-me taça de cristal: côncava, frágil, funda
Enquanto espero que o acaso não me apanhe de surpresa
A transparência me veste
Enquanto a nudez do que sinto circunda
 
Inundam-me de vinho
Líquido rubro da razão ausente
Realizo parte dos sonhos,
Ainda que tropegamente
Mas já não temo
Ponho o pé no chão e finalmente percebo:
Nunca há controle, ainda quando se crê nele
 
Crio-me corpo de pele e sangue
É melhor assim
Fluxo e refluxo
Sagrado e profano
Firme e flácida esperança que voa e pousa e caminha
em mim
 
Torno-me
então taça de carne sobre a mesa
Banquete do qual sou caçadora e presa
A espera do próximo gole para, novamente, tornar-me vazia
Taça de cristal oca e fria
Taça sem vinho,
Corpo sem sangue,
A esperança alçou vôo e não me deixou inteira
 
Hei de lembrar que razão e sua ausência se entremeiam
Eis o equilíbrio necessário à vida
Antes de sabê-lo, todavia
Anos a fio e com tristeza
Eu bebi a mim mesma

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

GAIVOTAS (Poesia)


Em outra vida
Já fui presa a prédios
Moedas
Ouro
Títulos
Construí meu império
em vidros
Nunca
ergui dois pés do chão
 
Por isso
Na próxima vinda
Se tiver de vir presa
Que seja às gaivotas
Para sobrevoar o mar tranquilo
Vendo o sol se espelhar na água
Em contraponto ao chão
E a cada bater de asas
Enquanto retorno à casa
Me espelhar na imensidão