quinta-feira, 13 de março de 2008

CRUZ ANSATA (Crônica)

Eu tinha meus dezenove anos de idade e me sentia trasbordando de força e vida quando me chegou à seguinte notícia: alguém próximo e querido, da minha família, via-se à beira da morte. Era câncer. Veio-me o susto! Foi este o primeiro sentimento a tomar conta do meu corpo e coração. E chegou antes mesmo da tristeza, muito embora esta viesse a predominar depois. Explico: é que pela primeira vez na vida eu me dei conta de que, por mais fortes e vivos que nos sentíssemos, tudo era fugaz e as certezas podiam mudar em menos de um segundo! A “fragilidade humana”, clichê que costumava ouvir dos mais velhos sempre que eles anunciavam a morte de um ente distante e desconhecido, desta feita parecia haver sido bordada em mim e em letras de fôrma, enormes, grossas, duras, incrustadas na pele feito tatuagem. Ela estava ali, bem ali, no meu corpo, no corpo daqueles que eu amava e pensava eternos. A notícia me alertou de que a vida poderia ser breve e o tempo curto demais para fazermos planos contando com um futuro distante. Os ponteiros do relógio começaram a me assustar e sua pulseira a apertar meu pulso. O tempo não parava e era preciso viver intensamente tudo o que havia, tudo o que nossa natureza exigia antes que, em mais um adágio, “fosse tarde demais”.

Enfim, passei a andar com pressa, deliberar com pressa, me vestir com pressa, me despir com pressa, viver com pressa.

Em um parêntese que me remete à uma outra época e história, relato que desde pequena sonhava com uma cruz...ela era diferente da cristã, tinha as bordas curvadas e um ciclo fechando a parte superior...eu nunca havia visto nada em livros, filmes...apenas nos meus sonhos ela aparecia, até que veio a idade adulta e eu nunca mais sonhei com ela.

Um belo dia, em um passeio com minha mãe, vi em uma vitrine o tal símbolo, a tal cruz, feita em prata...era um pingente...Comentei sobre meus sonhos com minha mãe e ela, com o intento de me agradar, entrou na loja e me presenteou com o amuleto. Junto a ele veio um pequeno papel que dizia: Cruz Ansata ou Ankh, símbolo da imortalidade no Antigo Egito. Era só o que eu sabia.

No mesmo dia, só que tarde da noite, enquanto eu voltava para casa, sozinha, por uma BR que corta a cidade, pensava na doença desta pessoa que eu amava tanto. Pensava na morte e me deparei pensando e idealizando a minha! De repente me perguntava: para quem meus pais dariam meus cds, meus livros, meu violão, minhas roupas, a cruz que eu já carregava no pescoço, enfim...Absorta que eu estava e idealizando, inclusive, o que viria após a vida, uma bicicleta cortou meu caminho. Ao desviar, meu carro rodopiou na pista varias vezes até que parou de ré, pendendo em um barranco que parecia não ter fim. Eu fiquei ali, estática, com medo de sair do carro. Depois de alguns segundos, respirei fundo e, bem lentamente, sai. Pedi ajuda aos carros que vinham passando. Alguns pararam. Amarraram o meu e o puxaram. Nenhum arranhão, nem em mim, nem no carro. Não havia sinal de bicicleta, nem de um suposto condutor. Nada. E, eu, meu Deus do céu... eu estava viva!

Cheguei em casa e fui dormir ainda com o coração descompassado, as pernas tremendo, as mãos geladas. Nunca contei isso a meus pais e conto nos dedos os amigos que souberam deste evento até porque suas repercussões vieram depois, mais precisamente no dia seguinte...e nos vindouros.

Ao chegar na faculdade, no outro dia, o pingente reluzia no meu pescoço e um amigo meu que adorava e conhecia símbolos me interpelou, dizendo: “A Cruz Ansata!” E me perguntou o que eu sabia sobre ela. Preferi omitir as informações supérfluas que vinham no papelzinho e disse não saber nada. Ele então me esclareceu: “Enquanto a cruz cristã é aberta porque representa a morte de Cristo, esta é fechada, porque representa a imortalidade, a vida após a morte, que é a tão clamada vida eterna. A curva indica que a vida é um ciclo, que morremos para nascer e nascemos para morrer, sem que esta ‘volta’ cesse. Por isso, a cada dia, a cada instante nascemos um pouco e morremos um pouco, nunca sendo os mesmos dos segundos passados. Por isso, no Antigo Egito, tal símbolo era pintado na boca das múmias, pois eles acreditavam que tal amuleto tinha o poder de atrair a alma de volta à matéria.” Por fim, terminou concluindo que enquanto eu usasse aquela cruz eu jamais teria uma morte violenta, justamente porque ela evitava o desprendimento rápido entre o corpo e o espírito.

Coincidências? O Sonho, a cruz, a doença, o pensamento sobre a morte, o dia do acidente, o significado do amuleto?? Sinceramente não creio. Enfim, tatuei a Cruz Ansata ou Ankh em mim – precisamente no eixo central de meu corpo, no meio do chacra cardíaco – e sinto que ela me protege sempre, além de me lembrar de que cada dia guarda dentro de si uma vida inteira, dando-nos uma chance de viver e morrer como desejamos, ainda que num intervalo de 24 horas...

Por isso, desde então, vivo um dia de cada vez...e vivo intensamente, sem, entretanto, a pressa que relato no começo do texto. É que sinto que sempre dará tempo para sermos e vivermos o que, de fato, desejamos... ainda que seja necessário “morrer” e “nascer” novamente...dentro ou fora das aspas.

Eis o significado de minha tatuagem.

2 comentários:

Thiago Martins disse...

pena não ter uma foto da tattoo...
belo texto!
muito legal!
tenho uma cruz ansata no pescoço tb.

luz e paz!
Thiago

Thiago Martins disse...

fiz uma citação no meu blog.
não citei a fonte, mas coloquei um link direto pro seu blog.

luz e paz!
Thiago.