sábado, 18 de outubro de 2008

ALAMEDAS (Crônica)



Sábado e sol. Eis a combinação. Preferia a chuva. Era quando mais se abrigava dentro de si; era quando se permitia, nos dizeres de Clarice Lispector, sentar e deixa-se levar “ao correr da máquina”, confessando no papel o indizível, desprezando o perecível, andando, comendo, vestindo, vivendo o que escrevia; era quando se punha distraída de si para, plenamente, encontrar-se; era quando ousava passear pelas avenidas que a habitavam e, ao longe, se via e se cumprimentava do outro lado: sua imagem, a mais genuína, era avistada pela outra, e lá estava ela, duplicada. A que se sentia livre sorria para a que apenas observava; a que se sentia viva se punha ladeando uma alameda de flores que cresciam alheias ao cinza da cidade morta que, dentro da outra, dormitava. A moça que estava perto das flores era, também, ela: a versão que só aparecia em dias de chuva, chuva externa. O sol brilhava internamente enquanto a chuva derramava-se pelos vidros da janela.

Mas naquele dia não havia chuva. Ainda assim, ousou escrever. Mas para quem escreveria num dia de sol feito aquele? Até onde suas palavras iriam, quando, libertando-se de tanto, ousava entregar-se mesmo quando sequer havia chuva? Não sabia. Não conhecia os expectadores de sua vida ensolarada. Só conhecia aqueles que a liam enquanto chovia, introspectivos feito ela, acalentados feito ela, pelo barulho das águas. Parou.

Não queria escrever para o desconhecido. Não queria escrever naquele irritante sábado de sol. Não queria, sobretudo, caminhar por suas avenidas internas e não avistar, ladeando a alameda de flores, a outra parte de si, a que era capaz de sorrir. Preferiu rasgar o papel e os verbos que ali cabiam, que ali moravam.

Sentindo-se em pedados, feito os que no lixo já descansavam, saiu de casa e foi para a beira da piscina enfrentar o sol, cara a cara. Aquele, definitivamente, não era um dia a ser vivido no domínio do escrito, no arrastar das palavras. Era um dia para conjugar os verbos que não poderia jamais escrever; era um dia para afogar-se nas águas do que simplesmente não se escreve, do que exige pele, do que exige pulso, do que exige curso e nado real; era um dia para ladear alamedas floridas e externas. E elas não só existiam, como estavam bem ali, o tempo todo, em seu quintal.

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