E a vida dura
Mesmo quando se perde a chave do carro,
Mesmo quando se chega atrasado,
Mesmo quando se anda estressado,
Com o preço do combustível,
Com o cheiro dos esgotos,
Com o vazio que corroí a alma,
Com a inquietude que dissipa a calma,
Com a angústia que fere, mas não mata
E a vida dura
Mesmo quando não se tem fome,
Mesmo quando não se tem cura,
Mesmo quando se esquece o nome,
Daquilo que se sente quando se perde o que não se tem
Ou se acha o que não procura
E a vida dura
No silêncio das palavras,
No barulho das ausências,
Nas varandas, nas janelas, nas sacadas
De onde a vista é encurtada
E não se põe horizonte
Nem se semeia violetas, rosas ou verbenas
E a vida dura
Mesmo quando já não há espanto,
Mesmo quando já não há encanto,
Mesmo quando se preserva o que não mais dura
E a vida dura
Mesmo quando tão pungente
Mesmo quando de repente
Deixa de valer a pena
E o poeta diz que vale
Se a alma não é pequena
E a vida dura mesmo quando se mente
E a vida dura
Com ou sem o pão nosso de cada dia
Com ou sem o pai nosso de cada dia
Sempre há alimento
Viva-se de mentiras ou de verdades,
Viva-se de aleluias ou lamentos
E a vida dura
E, sem poesia ou piedade, nos segura
Pelos últimos fios,
Pelas últimas seivas,
Pelas últimas crenças,
Até que, cansada, nos liberta,
E, traiçoeira, nos arremessa
Para a morte de mais um corpo
Enquanto se cava mais um fosso
Em meio à terra plana e adubada de sonhos
Mas nem aí jaz nosso último embate
Pois mesmo quando se morre
A vida dura
E é dura também na imortalidade.
6 comentários:
Esta poesia me preenche!rs...
Marina,
Realmente... A VIDA "é" DURA!
Linda poesia!
Parabéns pela sensibilidade expressada em cada linha.
Obrigada pelas palavras no meu blog.
Estou te add!
Abraço!
A vida é mesmo assim: imperiosa, impositiva, imprecisa, às vezes implacável, mas Ela - com a letra "e" maiúscula em respeito à sua grandeza - nos fisga, nos atrai, nos encanta, e essas suas aparentes contradições é que a faz bela, e essa beleza não pode ser por ti contestada (Marina) porque ela pode ser vista no avesso de cada verso teu. Seguramente tu darias - não sempre, não todo dia - outra composição para a vida com a só mudança da cor da tinta do lápis e nos espaços entre cada frase, após pintar os lábios de vermelho. Lou
"A ciência, se fôssemos eternos, num transporte de desespero inventaria a morte" dizia Guilherme de Almeida antes de se apaixonar, depois aparece uma mulher e ele muda o ponto de vista.
Já Angela Ro Ro canta que "a vida é bela, só nos resta viver"...
E Marina, o que faz? Marina busca poesia nos segundos, nas linhas e entrelinhas da vida. Segundos de suor, de lágrimaas, de alegria insana, de contentamento, de máscaras.
Tudo é poesia e, como poesia, torna-se eterno.
Esta é mais uma das que levo para sempre comigo.
Beijos com amor, carinho e saudades...
Acho que para descrever a minha vida, usaria a música "The Blower's Daughter" (e Marina pensa, lá vem Rapha com suas comparações musicais, senhor...): "a vida pega leve comigo, na maior parte das vezes". Mas quando ela não pega leve... Ai ai... Só se vive (ao menos nesta forma) uma vez. Adorei a poesia.
beijos.
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