segunda-feira, 22 de setembro de 2008

RÉGUA (Poesia)

Nascemos embalados por mitos, paradigmas, desatinos,
E desde cedo engolimos o que, fatalmente, nos servem aos estoques:
Verdades que já nascem prontas, tontas, inverossímeis,
Certezas que morrem quando saltam dos livros e ganham o chão,
Sentidos que existem apenas no domínio do possível, do previsível, do digerível,
Histórias legendadas, limitadas, mediocridade em horário nobre

E assim crescemos consumindo fórmulas, molduras, modelos, antídotos
Incapazes de nos curar dos males que criamos
E que descem pontiagudos por nossas gargantas inflamadas de vícios
Enquanto nossas vozes e vontades restam represadas, pavimentadas, amarradas
Por um nó tão cruel quanto invisível

Sufocados, poucos seguem abandonando as regras e as rédeas,
Escapando das réguas com as quais o outro ousa pautar-lhe o destino;
Cansados, muitos morrem à beira do caminho;
Indignados, tantos se perdem mirando um vale que não existe;
Miragens feitas de sombras e luzes que oscilam e encandeiam
Aqueles que ousar enxergar além do permitido e do espelho

E eu, que já saltei dos braços de tantos mitos,
Não aceito esta garganta seca, tampouco os entraves de cada gole sorvido
Não aceito esta placa que sinaliza o “não” frente ao meu desejo contido
Não quero o antídoto que me servem para cada frustração
Não quero a falta de ar, a margem, nem a miragem do caminho vão
Não quero o que já nasce construído

Quero a verdade que eu criar, ainda que impossível
Quero devassar de antemão todos os meus jazigos
Quero a régua curva, trincada, inservível para a retidão
Quero a régua curta, incolor, sem medição de centímetros
Tudo o que exijo é conduzi-la com minhas próprias mãos
O projeto que me cabe é o que tracejo
Ainda que tosca, ergo minha construção
E da janela de vidros fechados e espessos
Lamento por todos aqueles que se solidificam feito gelo
Em cubos pré-moldados que, ao mínimo sol, derreterão.

2 comentários:

Unknown disse...

Marina... com a pressa de quem não quer perder o lugar primeiro de falar - para não calar - digo-te apenas que essa "régua" torta diz mais nas entrelinhas do que no que está escrito, e somente aqueles que enxergam o não dito, na percepção lispectoriana, conseguiram ver o caminho por ti percorrido. E apenas mais uma "palavra", para utilizar na vida essa "régua" torta somente os de muita coragem e, mais ainda, os que possuem muita "força"...Parabéns pela linda poesia. Lou

Carla disse...

Fiquei sem fôlego, sem ar, sem chão... E graças a Deus sem paredes, encostos, engodos.

Lindíssima poesia!