Só por hoje, por uma noite, por esta noite e por esta chuva que, tantas vezes, apressa e, tantas outras, entristece, não tive tristeza, nem pressa. Estive dispersa. E dirigi com uma calma que desconhecia, enquanto, tranqüila, via as gotas deslizando pelo vidro do carro, em velocidade totalmente incompatível com a minha lentidão interna, com a minha mansidão momentânea, espontânea, em descompasso ousado para comigo.
E fiz do carro abrigo móvel; e fiz da noite véu denso, cálido e confortável; e fiz dos sinais vermelhos, verdes, amarelos, meras luzes disformes, sem qualquer importância ou sentido; e fiz de minha sorte meu escudo tosco, incerto, falível, em cada cruzamento que passou por mim e, displicente assim, passei por todos, desta forma alucinada, despida das normas que me acompanham pelo dia...pelos dias...por esta e por toda estrada.
É que estava, nos dizeres de Lispector, “de uma atenção sem esforço”, verdadeiramente distraída; é que estava, na voz de Chico, “à toa na vida”; é que estava – sim, eu estava! - enfim, adormecida de mim para estar desperta, alerta para o que realmente importa e que, tantas vezes, não vejo, não toco e não me toca; estava era plena, simples, amena, para uma estrada confusa; estava era feliz para uma noite de chuva.
E ouvia P. J. Harvey como nunca! Até ela parecia calma e tranqüila. E digo até a música: The Dancer. A voz estridente, as batidas do rock cederam ao velocímetro e arrefeceram, também, o passo; e encolheram o espaço; e ecoaram estreito para dentro de mim. E tudo o que fiz na vida; e tudo o que planejei e planejo, por este instante de trégua, coube exatamente aqui. Não faltou espaço, não sobrou espaço. E eu, finalmente, coube em mim.
2 comentários:
descobrir o seu trabalho foi uma doce surpresa...gosto do q escreve!
; )
esperando a continuação...rsrsrs...
Linda.
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