domingo, 18 de maio de 2008

A TRILHA (Conto Erótico Feminino)


Era quase meia-noite quando Letícia chegou em seu apartamento. Tinha ido a uma festa com duas amigas e estava cansada. Nada tinha saído como ela esperava. Fábio, amigo seu de longas datas, passara a noite colado ao seu lado, o que fez com que não pudesse aproveitar a festa, tampouco conhecer alguém interessante.

Assim que chegou, tirou seu vestido, removeu a maquiagem discreta que usava, indo logo em seguida tomar uma ducha rápida. Quando saiu do banho, parou diante do espelho e fitou-se por um tempo, em análise à imagem que via. Tinha a pele morena clara, com textura delicada, olhos pequenos e puxados...na seqüência, forçou um sorriso sem graça para, logo em seguida, rir de si mesma e de sua falta do que fazer, aliada à falta de sono. Sentia-se bela, apesar do tédio que insistia em lhe atormentar.

Quando resolvera sair de casa, há quase dois anos, acreditava que sua vida seria totalmente diferente, interessante e movimentada. Não teria mais seus pais controlando seus os horários, as saídas, os amigos...mas agora percebia que, na medida que havia conquistado sua liberdade, havia também perdido a graça em fazer muitas coisas que antes considerava essenciais, como chegar tarde, sair diariamente, ir a festas badaladas, essas coisas todas que atualmente classificava como “ monótonas”. Tinha até uma certa preguiça em conhecer novas pessoas. Quando pensava em se aproximar de alguém, já levava em consideração um início, cheio de emoções e encantamento digno de novelas, um meio um tanto quanto desbotado pelas primeiras brigas, pelas primeiras descobertas desagradáveis e um fim, sem qualquer emoção, tristeza ou saudade. Tinha sido sempre assim.

Ela precisava urgentemente quebrar esse ciclo tedioso. E dormiu pensando como fazê-lo. Acordou e caminhou firme como quem dá passos decisivos em sua vida, rumo ao inesperado. Mas andava apenas em direção à lista telefônica. Lá localizou o número de umas das agências de viagem mais populares da cidade, especializada em passeios ecológicos e trilhas pouco conhecidas. Por instantes se imaginou em meio a uma grande selva, com um guia irritante e politicamente correto falando sobre a preservação do mico-leão dourado ou qualquer coisa do gênero. Decidiu que preferiria trilhas desconhecidas. E foi isso que respondeu a voz feminina que lhe perguntou do outro lado da linha:

- O que deseja, senhorita? Por que tipo de passeios se interessa?

Letícia respondeu categórica:

- Nada básico, por favor! Depois que percebeu o tom ríspido de sua própria voz desculpou-se.

Escolheu uma viagem de uma semana, pela região montanhosa e quase totalmente desabitada da Chapada do Ouvidor, conhecida pelas fendas profundas e infinitas cravada entre as rochas tanto no plano horizontal, formando enormes corredores de pedras, quanto no vertical, criando despenhadeiros estreitos e profundos, como enormes funis rumo ao inferno, como diziam os ditos populares. Dali, ecoavam vozes, canções e até mesmo gritos assustadores, conforme relatavam os mais exagerados depoimentos que Letícia encontrou na internet sobre o lugar. Desses barulhos misteriosos vinha o nome do lugar, era óbvio concluir.

Nada disso lhe deu medo. Seu maior desafio seria viajar sozinha e isso sim a amedrontava. Estava acostumada a sentir-se sempre segura e cercada de “amigos” que sempre cuidavam para que ela se sentisse, se não cuidada, mas ao menos, desejada e menos solitária.

Faltavam apenas três dias e a espera a deixava cada vez mais ansiosa. Realmente parecia uma boa idéia para fugir do tédio, pensava Letícia, pois antes mesmo de viajar, ela já se sentia mais feliz e animada. Comprou roupas leves e sapatos confortáveis, apropriados para esse tipo de caminhada, para o frio e para os galhos e lascas de pedras que, com certeza, tentariam lhe atrapalhar o caminho. Sua mochila também era nova e igualmente equipada, com cantil, bolsos espalhados com todas as finalidades, canivetes, cordas...e tudo mais que a fizesse se sentir mais segura. Apesar do intuito, sentia-se como uma criança inexperiente, rica e mimada, querendo parecer profissional, sem ao menos saber usar o que tinha. Mas não deixou abater-se. Sua fantasia serviria, pelo menos, para enganar aos outros, pensava, esboçando um sorriso de satisfação.

Os dias arrastaram-se até que, finalmente, estava ela na van, juntamente com mais oito pessoas, que lhe eram totalmente desconhecidas e formavam um grupo bem heterogêneo. Havia um casal aparentemente simpático, com aspecto de turistas de meia-idade, felizes e desocupados. Ambos muito brancos, de tez avermelhada e, claro, a peculiar máquina fotográfica pendurada no pescoço, em perfeita sincronia com as vestes coloridas. Ao seu lado estava sentado um rapaz com cara de intelectual, que se escondia timidamente atrás de seus óculos de aro escuro, que lhe tiravam a jovialidade. “Esse parece mais deslocado do que eu”,calculou em silêncio Letícia ao observar o nervosismo com que o jovem apertava o apoio da cadeira. Suas mãos aparentavam suar frio. Mais à frente, uma senhora de cabelos grisalhos muito bem presos num coque, usando uma roupa caqui, feito aquelas de filmes de Safári, ostentando olhar determinado na estrada, era a única que parecia realmente preparada. Por fim, pôde perceber um homem moreno, de aproximadamente trinta e cinco anos, que, com cara de descolado, a observava incomodamente. “Do tipo que me daria trabalho, caso tivesse espaço”, pensou Letícia, desviando rapidamente o olhar. Nos bancos da frente iam o motorista e uma moça. Destes Letícia não pôde tecer nenhuma conclusão, afinal estavam calados, de costas e quietos, concentrados no caminho.

A viagem transcorreu lentamente. Foram seis horas de solavancos, poeira, e muita lama. Por momentos, Letícia arrependeu-se. Não havia se identificado com nada: nem com a estrada, nem com a falta de conforto da van, muito menos com os passageiros. Mas...era tarde demais.

Finalmente chegaram à pequena cidade de Lua Nova, de onde iniciariam a trilha. Havia sido avisada de que levasse tudo o quanto precisasse de casa, afinal tratava-se apenas de um pequeno vilarejo, sem qualquer vestígio de progresso, muito menos, qualquer espécie de luxo, como cremes hidratantes, repelentes, ou qualquer outro artigo do tipo, que se abarrotavam dentro da bolsa de Letícia. As poucas pessoas que ali moravam eram como uma civilização perdida no tempo e no nada, que aprendera a viver isolada, sem as facilidades e futilidades do chamado “progresso”. “Jamais seria uma delas”, pensava Letícia.

Eram 14h quando finalmente desceram da van com suas mochilas e expectativas. Apenas neste momento Letícia “conheceu” os outros dois passageiros:

- Meu nome é Edson e sou o motorista da equipe. De agora em diante, serão guiados por Mandara, nossa guia. Espero que aproveitem bem o passeio e voltem inteiros, brincou o negro sorrindo de forma cálida e generosa. Aposto que, depois de sete dias no meio do mato e andando a pé, acharão a volta muito mais confortável. E Edson despediu-se.

Ao ouvir a van dar partida, Letícia sentiu um leve desespero gelar-lhe o estômago. Era como se o último elo que conectava à “civilização” houvesse se rompido. Agora se sentia totalmente insegura e ansiosa pelo que estava por vir, apesar de todo medo. Foi quando escutou a voz feminina que pedia a atenção de todos. Provavelmente Letícia era a única desatenta naquele momento.Saindo de seu devaneio, voltou os olhos para a moça que lhes falava:

- Bem, como Edson já disse, eu sou Mandara, a guia dessa peculiar excursão. Sou nativa desta cidade, por isso sou sempre a responsável por este passeio. Como vocês já devem ter sido alertados, esta região é um tanto quanto “especial”, digamos assim, tanto que não faz parte de nenhum outro roteiro oferecido pelas demais agencias de turismo... – Mandara parecia escolher bem as palavras para não assustá-los –... guarda certos segredos, certas particularidades que somente quem nasceu e criou-se aqui pode conhecer. Meu trabalho não é apenas conduzi-los no caminho, mas, sobretudo, velar pela segurança de vocês, por isso, escutem-me atentamente sempre, concluiu Mandara olhando na direção de Letícia, que percebeu o sutil recado.

Instantaneamente Letícia pôde traçar o perfil de Mandara, como já havia feito com as demais pessoas do grupo. Pelo porte atlético e voz altiva, sem dúvida era uma pessoa forte, destemida e determinada. Pelo modo que seus olhos rasos e franjados a haviam observado, quase a queimando de repressão pela desatenção, parecia não gostar de ser contrariada. Era, sem dúvidas, mandona. Pelas roupas simples e gastas e pelas mãos longas, de unhas curtas, parecia ser rude, apesar de muito inteligente. Por fim, pelos cabelos de fios claros pelo sol, longos e presos num rabo de cavalo que lhe acentuavam o rosto de formas angulares e a tez dourada, Letícia pôde perceber que, apesar de rústica, a beleza de Mandara era tão peculiar quanto o lugar que tão bem conhecia.

Após as breves instruções, de mochilas nas costas, deram os primeiros passos rumo à Chapada do Ouvidor.

As primeiras horas transcorreram sem muita conversa. Apenas alguns comentários explicativos de Mandara e algumas perguntas básicas dos demais. Letícia conservava-se em silêncio. No final da tarde, chegaram a uma pequena queda d’água, que vertia timidamente por entre as primeiras árvores que começavam a se agrupar, indicando o início da floresta que enfrentariam pela manhã. Ali pararam sob os comandos de Mandara que, deitando sua mochila no chão, falou:

- Bem, temos apenas três barracas e somos sete. Ou seja, duas barracas ficam com duas pessoas e a terceira com três. Sugestões?

- Não me importo em dividir uma das barracas com meu marido, disse Eva, num tom de brincadeira que não escondeu em nenhum momento a clara intenção, para não dizer, imposição, de que ela e Heitor ficariam sozinhos em uma das barracas. O casal de “turistas profissionais” parecia exigente e não tão simpático quanto pensara Letícia à primeira vista.

Percebendo o rumo das coisas, Mandara cuidou de organizar as demais instalações:

- Bom, se os demais não se opuserem, sugiro então que César fique com Israel em uma das barracas e eu ficarei com Helena e Letícia na outra...concluiu Mandara, afinal tal arrumação pareceu-lhe realmente a mais sensata desde o começo.

Ninguém se opôs e assim foi feito. Mandara habilmente coordenava a montagem das barracas e aos poucos elas tomavam forma. Duas eram do mesmo tamanho e a terceira maior que as demais, com uma divisória separando o “quarto” da “sala”. Instintivamente Letícia direcionou-se para a maior. Já estava escurecendo e ela decidira trocar de roupa. Sentia-se empoeirada e a noite prometia ser fria. Colocaria algo que melhor lhe protegesse do frio e, sobretudo, dos mosquitos, que começavam a deixar marcas vermelhas em sua pele clara. Estava quase despida quando Mandara entrou na barraca, para seu constrangimento.

-Desculpe-me, não vi que você tinha vindo pra cá, deveria ter pedido licença antes de entrar, falou Mandara rapidamente, tentando desviar os olhos do corpo esguio e muito sensual que se despia à sua frente.

Segurando as vestes de encontro ao corpo, com os pêlos eriçados pelo frio, Letícia tentava proteger-se, agora não mais dos mosquitos, mas dos olhos escuros de Mandara que, vermelha, dava-lhe as costas, saindo da barraca imediatamente.

Depois do fato, Letícia se questionava sobre o mal-estar estabelecido entre ambas há minutos. Não se recordava de haver tido problemas com sua nudez, nem mesmo na adolescência, quando as curvas dos seios rosados despontava, acentuando-lhe levemente os decotes das blusas ainda infantis que vestia. Por que então se sentira tão envergonhada diante de Mandara? Afinal, ela era outra mulher... bem, na verdade, ela não era em nada parecida com suas amigas, mas...era outra mulher, apenas isso.

Já fora da barraca, Mandara ainda sentia o rosto queimar. Ainda via com nitidez o corpo bonito de Letícia, entrecoberto por suas vestes, com os seios rosados, arrepiados assim como todos seus poros, e, acima de tudo, podia visualizar o rosto de traços perfeitos, harmoniosos, com os olhos de expressão surpresa e envergonhada que a observaram de maneira forte, quase cortante, expulsando-a silenciosamente do quarto. Conteve seu pensamento. Em seguida, saiu na direção de Heitor, César e Israel a fim de que pudessem providenciar alguns gravetos suficientes para acender uma fogueira.

Dois grupos foram formados: Heitor e Israel, César e Mandara. Durante o percurso, César contava vantagens tentando impressionar Mandara que, por sua vez, o escutava calada e impaciente, ao mesmo tempo em que pensava no quanto gostaria de achar logo um amontoado de gravetos só pra não ter que aturar a companhia dele por muito tempo. Teve sorte, pois em poucos minutos ouvira as vozes de Heitor e Israel que já carregados de madeira os chamavam para retornar ao acampamento.

Todos já estavam em torno da fogueira descontraídos quando Mandara, saindo de fininho, foi até a barraca. Neste momento, César resolveu aproximar-se de Letícia.

- Graças a Deus você está aqui!

Letícia não entendeu o comentário.

- Não tem nada interessante por aqui, além de você, é claro! Já estou acostumado a fazer trilhas, sabe? Aliás, essa é a mais light que já participei, gosto de aventuras, de perigo...

Letícia, enquanto escutava César, se perguntava como faria pra se livrar daquele conquistador, foi quando disse:

- Acho que a Mandara deve estar precisando de ajuda, vou dar um pulinho na barraca, volto já, ok?

Levantou-se rapidamente enquanto César acenava com a cabeça, sem entender direito o motivo da esquiva.

Mandara estava deitada, com o olhar perdido em direção ao teto da barraca. Letícia aproximou-se, pedindo licença, para em seguida sentar ao seu lado.

- Está preocupada com algo? Perguntou Letícia mostrando evidente interesse.

Mandara não podia dizer o que estava realmente lhe afligindo, resumiu-se a responder:

- É que... queria fazer algo diferente amanhã... estou imaginando o que poderia ser, mas e você? Por que não está lá fora se divertindo com os outros?

Mesmo sem qualquer intenção de soar grosseiramente, Mandara falou de maneira um tanto brusca...a presença de Letícia a deixava nervosa, sem jeito...sentia uma certa necessidade de manter-se distante...logo em seguida arrependeu-se ao ouvir Letícia falar:

- Desculpe-me...não percebi que você queria ficar sozinha...às vezes sou meio distraída, falou Letícia de maneira suave, mas com certa mágoa na voz...

- Não é isso, eu que peço desculpas. Não quis parecer rude...se você é distraída, às vezes sou meio grossa – emendou Mandara – e isso é bem pior do que ser distraída, concluiu sorrindo.

- Tudo bem...estou aqui porque lá fora não estava tão divertido. Tentava fugir das cantadas do César...quero só ver como farei o resto dos dias...nem sempre terei uma barraca para me esconder...além do mais, aqui está bem melhor...

Nesse instante, Mandara a olhou de forma interrogativa e Letícia percebeu que deveria concluir a frase, desfazendo qualquer mal-entendido:

- É que os mosquitos também incomodam e eu estava com frio...falou rapidamente, sem encará-la novamente.

O comentário final de Letícia incomodara Mandara. Ela preferia ter escutado algo do tipo: “estou aqui porque queria ficar próxima e a sós com você...” Ora, ela já estava viajando demais!

Letícia, por sua vez, gostaria de ter dito que havia se encaminhado para a barraca porque queria uma chance de ficar a sós com Mandara, para tentar se aproximar, quem sabe soltar os cabelos de Mandara e ver como ela ficava, sentir o cheiro de sua pele...Ao perceber o rumo de sua imaginação, reprimiu-se. Não antes de ter a certeza de que jamais faria um comentário daquele tipo.

Tentando disfarçar a decepção, Mandara contornou:

- Então fique aqui, pelo menos não tem César. Quanto aos mosquitos, o máximo que posso fazer é te oferecer um repelente...disse Mandara já com o tubo na mão, fazendo menção de espalhá-lo...

Imaginando que seria em seu corpo, Letícia sequer mencionou que já tinha o tal repelente...Aliás, fez questão de “esquecer” que fora exatamente ele a primeiríssima coisa a ser comprada para a viagem.

Em resposta, Letícia resumiu-se a arregaçar as mangas do moletom que vestia, bem como a barra das calças compridas...bem, se não era isso que Mandara havia pensado em fazer, agora não teria mais saída, pensava.

Meio constrangida com a atitude de Letícia, Mandara iniciou a tarefa. Em verdade, não tinha pensado em atrever-se desse modo. Apenas ofereceria o creme, mas, com certeza, a idéia de massageá-la lhe agradou muito mais...

No começo as duas estavam um pouco tensas pela proximidade e pela falta de intimidade... aos poucos Mandara começava a espalhar o creme pelos braços delicados e longos de Letícia, que evitava olhá-la diretamente. As mãos de Mandara lhe percorriam a pele, em princípio, de maneira suave e despretensiosa... após alguns minutos, o clima estava menos tenso... as mãos de Mandara já deslizavam de maneira sensual, descendo até suas mãos, massageando seus dedos...

- Letícia!! Mandara!! – bradou César, quebrando o clima – Estamos esperando vocês pra animar a festa....

As duas se entreolharam com cumplicidade... com certeza ambas sabiam o quanto aquele chamado havia atrapalhado. Sorriram e, à contra-gosto, foram em direção aos demais...antes de sair, no entanto, Letícia pediu:

- Mandara, por favor, não me deixe a sós com César, nem agora, nem amanhã, nem depois... concluiu rindo.

- Pode deixar que eu te protejo, falou sem pensar muito.

Em volta da fogueira todas as conversas pareciam chatas...nenhuma das duas conseguiu se integrar num diálogo. Helena contava sobre suas viagens; César continuava inventado algumas outras; Heitor, a maior parte do tempo calado, apenas escutava a mulher falar e Israel observava intrigado Letícia e Mandara... percebendo seus olhares sorrateiros e cúmplices.

Por volta das 10h o frio e o sono já estavam insuportáveis e Mandara, como sempre, tomou a frente do grupo:

- Vamos dormir? Amanhã o dia vai ser longo e cansativo...além do mais, o sol aparece às cinco... encerrou a fala com um sorriso que deu a certeza a todos de que aquela seria a hora do início da caminhada.

Na barraca elas tentavam se acomodar. Helena dormiria no quarto e as duas tentariam caber na “sala”, que tinha um pouco mais do que três metros quadrados. Mas não seria tão difícil assim...

A centímetros de distancia, Letícia deitara-se em seu saco de dormir de costas para Mandara. Poderia sentir e ouvir a sua respiração esquentando-lhe a nuca, bem como seus braços, roçando de leve em suas costas.

Mandara, de olhos abertos, observava Letícia. Podia sentir o cheiro de seus cabelos. Devagar, como quem tenta se acomodar melhor, cuidou de, aos poucos, aproximar seu corpo do dela. Somente nesse instante fechou os olhos e tentou sentir o calor de seus contornos. Imaginou a textura de sua pele, de suas costas, seus ombros, suas curvas... Aproximou seu sexo dos quadris de Letícia quase tocando-os e parou imediatamente, já sentindo a umidade evadir-se por entre as coxas... gostaria mesmo de encaixar-se nela e mover-se até senti-la por inteiro, mas não teria coragem, não naquelas circunstâncias.

Letícia, por sua vez, sentia a respiração de Mandara mudando... a sua já estava quase ofegante e ela tentava conter-se, disfarçar a excitação que lhe tomava. Sentia seu ventre queimando, molhado, ardente... sabia que Mandara a queria... ela também desejou insuportavelmente virar-se bruscamente e beijá-la, despindo-se depressa e fazendo amor de maneira incontida e descarada como jamais havia feito, mas não suportaria a tudo em silêncio e Helena, com certeza a escutaria gemendo de gozo... somente ao findar seu devaneio percebeu a insensatez de seus desejos e afastou-se de Mandara, cobrindo-se quase até a cabeça, quem sabe para sufocar seus pensamentos descabidos.

Mandara, já agoniada, levantou-se e foi caminhar um pouco, numa tentativa de esfriar o corpo... Letícia sentiu sua falta e somente adormeceu quando ela retornou. Sentia-se segura ao seu lado.

O dia não tardou a amanhecer e Mandara já estava de pé.Como sempre todos ainda dormiam quando ela cuidou de reacender a fogueira para esquentar um pouco de café. O clima estava menos frio devido ao sol que já começava a esquentar às cinco horas da manhã. O dia prometia. Depois de tomar uma boa xícara de café forte, resolveu que iria nadar um pouco. Só depois chamaria os outros... Dar-lhes-ia uma trégua ao menos no primeiro dia.

Quando voltou à barraca para trocar de roupa Letícia ainda dormia... ela era muito bonita, muito mesmo, pensava Mandara observando-a com muito cuidado para não despertá-la. Cuidadosamente despiu-se e vestiu seu biquíni preto.

As águas estavam congelando. Mandara começou a nadar vigorosamente para esquentar-se um pouco, enquanto pensava o que era exatamente aquilo que Letícia lhe despertava. Ela sabia muito bem o nome e era muito bom sentir. Apesar de estranhar o que estava acontecendo, não planejou evitar. Tentaria manter a proximidade, mesmo que fosse só para sentir sua atenção e seu jeito meigo de tratá-la.

Enquanto nadava alheia a tudo, à beira do rio Letícia a observava admirando-a. Não queria apenas sua amizade, concluiu, e mesmo que parecesse absurdo, daria um jeito de ter o que queria.

- Bom dia, Letícia, já de pé? – Falou Mandara saindo do rio coberta de gotas ainda iluminadas de água que lhe realçavam o corpo rígido e bonito.

- Bom dia, Mandara, mais uma vez gostaria de estar sozinha e eu atrapalho? – Perguntou Letícia, dessa vez em tom de brincadeira, certa de que não atrapalhava pelo sorriso com o qual foi recebida.

- Não, claro que não, mais uma vez soei grossa? – Perguntou Mandara já preocupada...Será possível que tivesse se desacostumado a falar com gente? Teria virado um bicho do mato, sempre rude mesmo quando não gostaria de sê-lo? Pensava...

- Não sua boba, estou brincando com você...percebi que era bem vinda por seu belo sorriso- concluiu Letícia deixando Mandara um pouco desconcertada.

Os outros, aos poucos iam se levantado sem a necessidade de serem chamados. Estavam realmente empolgados... mas era apenas o primeiro dia, pensava Mandara em silêncio, o primeiro dia...

Heitor e Eva, já a beira da fogueia bebiam café e comiam sanduíches, conversando amigavelmente com Helena. Eva, sem dúvidas, a tratava bem melhor do que a Letícia e a Mandara, pois não lhe causava ciúme do marido.

César ensaiava um pulo atlético nas águas do rio, enquanto Israel o observava da beira. Ele havia subido em uma formação de pedras, de aproximadamente 2 metros e fazia menção de pular quando Mandara intercedeu e gritou, correndo rapidamente em sua direção para evitá-lo.

Percebendo a voz nervosa da guia, explicou, orgulhoso, certo de que dessa vez havia atingido seu objetivo de impressioná-las e o melhor, sequer tivera trabalho em vencer seu medo e pular:

- Fique calma, minha querida, tenho experiência com esse tipo de pulo e de águas também!

Mandara limitou-se a dizer:

- Se tivesse, “meu querido”, não pularia em cima da formação de rochas que continua a se prolongar abaixo de você, submersa... sugiro que não o faça.

Totalmente desconcertado, César sequer teve o que dizer e desceu das pedras todo descabriado e com os pêlos eriçados pelo frio... sentia-se ridículo.

Todos riram muito da peripécia do Sr. Sabe Tudo, mas ninguém com tanto prazer quanto Letícia... Mandara era incrível. E ela continuou a falar:

- Pessoal, peço que não se aventurem de maneira ousada a fazer o que não conhecem... Lembrem-se que estamos a 20 km da cidade e lá não tem sequer hospital. Se acontecer qualquer coisa com vocês tudo que temos é uma mini bolsa de pequenos-socorros que, acreditem, não remendaria a cabeça de César. Concluiu séria... dessa vez ninguém sorriu... ela tinha razão, pensava César arrependido.

Os demais também se banharam rapidamente, trocaram de roupas e iniciaram a caminhada. Entraram na mata que se iniciava no local onde haviam acampado e seguiram por duas horas, até perceberem que já era mata fechada. Os galhos se enganchavam e feriam aqueles que tinham exposta a pele. Letícia caminhava sempre ao lado de Mandara e aceitava com prazer a mão que esta lhe estendia, sempre que a passagem tornava-se difícil. Apesar do cuidado, um galho de espinhos enganchou-se nas pernas de Letícia. Mandara imediatamente parou e ajoelhada, tentava desenganchá-lo e conseguiu, mas não sem antes furar um de seus dedos. Ao ver um pouco de sangue nas mãos de Mandara, Letícia pegou-a entre as suas apressadamente, olhando-a com preocupação e Mandara sorriu, dizendo:

- Isso é bobagem, daqui para o final da trilha você terá uma coleção de arranhões e furos como eu, disse rindo e puxando um pouco a camiseta, desnudando os ombros para que Letícia pudesse vez algumas cicatrizes pequenas que possuía.

Cuidadosamente e com um carinho especial, Letícia tocou-lhe o ombro com a ponta dos dedos e contornou a marca de um arranhão maior que se estendia pelas costas. As duas se olharam e Mandara sentiu-se arrepiada. Antes que faltasse o fôlego, interrompeu dizendo:

- Mas vamos lá... tem ainda muito caminho pela frente...

Foi quando Letícia percebeu como já estava agindo... as coisas estavam acontecendo rápido e ela já não se controlava tanto como sempre fez. Apenas agia conforme suas vontades...

Mais duas horas e finalmente podia-se ver a claridade do que parecia o fim da mata fechada. E era exatamente isso. Há quinze metros, estava o que pareceu aos olhos de todos um enorme deserto de pedras, interrompido apenas por pequenos arbustos e as fendas que cortavam o caminho com profundidade. Mandara cuidou de alertá-los:

- Aqui começa a Chapada do Ouvidor... daqui pra frente, cuidado redobrado. Prestem atenção nos passos, pois o calor nas rochas causa uma certa erosão e, por vezes, a própria vista engana. Podemos ver miragens devido à quentura que reflete do solo...é comum tropeçar, cair e se machucar. Não se afastem uns dos outros, nem de mim...

Letícia pensava que agora é que não se afastaria mesmo. Pela primeira vez teve um pouquinho de medo. As fendas pareciam ser profundas, sem fim mesmo... o vento estava um pouco forte e apesar do sol, fazia um pouco de frio.

Meia hora depois pararam para comer e beber alguma coisa. Israel parecia amedrontado e muito vermelho. Mandara perguntou:

- Você está se sentindo bem, Israel? Precisa de alguma coisa especial?

- Estou um pouco cansado e minha cabeça parece que vai explodir com o sol...

- Tudo bem, vamos procurar um pouco de sombra e descansar um pouco, certo?

Todos concordaram imediatamente. As bolhas já se formavam nos pés de Eva e ela pensava que aquela, sem dúvidas, não era uma trilha nem de perto parecida com as que havia feito. Heitor a amparava enquanto os dois, trôpegos, tentavam desviar das pedras. César também parecia cansado e estava muito calado, nem parecia o mesmo. Helena caminhava mais lentamente que os demais, mas não parecia mal... ela já havia feito aquele “passeio” uma vez, há alguns anos atrás, e o que vira ali a impressionara demais. Os outros ainda veriam, pensava ela...

Letícia já se sentia fraca e Mandara se preocupou. Pararam embaixo de alguns arvoredos e beberam muita água. As mochilas pareciam pesar toneladas e foi com alivio que Letícia colocou a dela no chão, deitando-se em seguida com a cabeça apoiada nela. Os outros também fizeram o mesmo... cada um a seu canto e Mandara continuou de pé, olhando ao longe, as rochas que se estendiam à frente...

- Você não cansa não é? Perguntou Letícia, desejando que ela se aproximasse... parecia distante, pensativa...

- Também estou cansada – falou Mandara se aproximando e sentando ao lado dela. Seu rosto estava corado pelo esforço e os olhos brilhavam ao observá-la... deitada ao seu lado...

Letícia sentia-se cada vez mais envolvida por aquela mulher incomum. Queria sempre sentir sua atenção e seus cuidados e Mandara, por sua vez, sentia uma vontade enorme de cuidar de Letícia... ela parecia sensível, frágil, desprotegida no meio daquele deserto de pedras brutas, que já estavam machucando-a. As duas conversaram um pouco, mas nada pessoal... não falaram sobre nada do que lhes passavam pela cabeça. Ainda era muito cedo.

Continuaram a caminhada até o sol esfriar e quando pararam estavam na primeira fenda erguida na vertical entre dois montes enormes de pedras. O vento estava ficando mais forte e já começava a zunir por entre os rochedos, como se fossem realmente fozes... Mandara explicou que aquela fenda conhecia-se por Garganta do Diabo e todos se arrepiaram de olhos arregalados...ela riu e pediu um pouco de silêncio para escutarem...

O som que saia dali parecia uma melodia estranha, entre-cortada por assovios ora graves, ora agudos. Às vezes tinham a sensação de ouvirem palavras inteiras, desconhecidas, melodiosas, que se desfaziam em forma de eco...outras vezes eram como urros assustadores, profundos, como se realmente viessem de um lugar muito distante e incerto.

Tiveram que montar as barracas ali. Todos se recolheram cedo, mas apesar do cansaço, não conseguiram dormir logo... A Chapada do Ouvidor era realmente assustadora e agora os ouvidores eram eles...

Mais do que nunca Letícia desejou que Mandara a abraçasse e a protegesse. Deitadas lado a lado, dessa vez uma de frente para a outra, conversaram um pouco em voz baixa e muito em silêncio. Mandara a olhava de forma intensa e Letícia sentia-se queimar por dentro. Alguns relâmpagos clarearam o céu e o interior da barraca enquanto trovões se misturaram com os ruídos entrecortados das fendas. Num ímpeto de susto, Letícia abraçou Mandara, que, mesmo sem jeito, a segurou forte contra si, enlaçando-a com os braços. Seus rostos ficaram a centímetros de distância. Mandara podia sentir a respiração de Letícia em seu rosto, seus olhos estavam assustados, mas desviaram-se dos de Mandara rapidamente, para sua boca. Letícia sentia o rosto queimar, num misto de vergonha e desejo. Mandara, por sua vez, não sabia o que fazer. As duas fecharam os olhos, sem uma palavra e ficaram abraçadas por algum tempo, até Letícia quebrar o silêncio:

- Desculpe, Mandara... tive medo. Sei que proteger meninas medrosas não faz parte de seu trabalho – falou, mas não fez menção de se afastar. Os olhos de ambas continuavam fechados.

- Não se preocupe, Letícia – falava Mandara baixinho e próximo ao seu ouvido, fazendo-a quase não resistir ao sentir o cheiro de seu hálito, de seus cabelos, agora soltos e lindos – posso fazer isso também... por você.

E o silenciou voltou a pairar entre as duas, até que o cansaço venceu e elas adormeceram abraçadas, queimando de desejo e evitando tocarem-se da maneira como realmente queriam.

Havia chovido muito durante a noite e, entre as rochas, formaram-se crateras que mais pareciam verdadeiras lagoas de lama, algumas mais rasas, outras profundas e perigosas. As coisas estavam ficando mais complicadas, pensava Mandara já preocupada com o chuvisco incessante que lhe embaçava a vista. Andaram três horas e tiveram de se abrigar numa loca de pedras, pois a chuva caia forte e o chão estava derrapando demais... Tanto que Israel escorregou e por pouco não caiu em uma enorme fenda que sorrateiramente estendia-se próxima a seus pés. Todos estavam preocupados e se durante a noite continuasse a chover, nem mesmo as barracas resistiriam. Mandara sabia que nenhum dos membros do grupo estava preparado para aquilo. Eva já nem falava de tão assustada, fosse pelos trovões, fosse pelos sons estranhos que, cada vez mais fortes, soavam por entre as fendas. Helena também estava quieta e prestava atenção nos ruídos como se os entendesse. César era outra pessoa. Agora já deixava transparecer claramente sua inexperiência e aflição.

Letícia, ensopada, dava seus primeiros espirros enquanto falava:

- Mandara, acho que não vamos conseguir terminar a trilha, não é?

- Se continuar chovendo assim, não vamos, Letícia... preocupo-me por vocês.

- O que faremos? Como voltaremos desse jeito, onde ficaremos? – Sua voz começava a demonstrar medo e Mandara odiava vê-la assim.

- Não voltaremos – disse em tom enigmático para Letícia, concluindo em seguida – daqui a aproximadamente 06 km existem alguns chalés antigos, construídos há muito tempo por um senhor europeu muito rico no intuito de formar algo como uma colônia de férias ou coisa do tipo...

- Graças a Deus! Quer dizer que ficaremos num hotel? Nem consigo imaginar! Que coisa boa! Uma bela ducha quente, roupas limpas e quentinhas... – falava Letícia com uma linda expressão de sonhadora.

Mandara não queria desfazer sua felicidade, nem o sorriso encantador que nascia em seus lábios, mas era preciso:

- Infelizmente não é bem assim... – falou Mandara, vendo imediatamente o semblante de Letícia se transformar – depois de construídos, apenas duas excursões estiveram nos chalés e eles foram abandonado.

- Mas por que? O que houve? Parecia perfeito um lugar destes aqui...

- Bem, atualmente apenas eu e outro guia nativo temos a chave dos chalés...eles são oito ao todo. São usados apenas em casos de emergência feito este. Estive lá há aproximadamente um ano... – e continuou a explicação – Eles ficam exatamente no centro da Chapada do Ouvidor. Relataram os habitantes de Lua Nova que os membros que formaram as duas excursões que lá estiveram em 1987, por volta da meia-noite, começaram a “entender” os ruídos que vinham das fendas, até então ininteligíveis. O que antes não passava do soçobrar do vento tomou significado, de modo que começaram a ouvir claramente palavras inteiras, gritos, enfim, mensagens no intuito de deixar claro que não eram bem-vindos ali... portanto, no meio da noite, apavorados, todos abandonaram os chalés e saíram dispersos e desesperados pela noite... um jovem foi encontrado morto em uma das fendas e outro desapareceu. Por certo caiu em uma fenda mais profunda e jamais foi encontrado. Desde então, espalhou-se em Lua Nova a lenda de que no coração da Chapada do Ouvidor as vozes das fendas se encontram e adquirem significado, expulsando todos os que não são daqui.

- Nossa, Mandara, que história horrível! Diga que é apenas uma brincadeira sua, pelo amor de Deus – pedia Letícia apavorada.

- Bem, Letícia, o que posso dizer é que já estive lá algumas vezes, em casos como este, com pessoas que não são nativas e nunca ouvi nada... quer dizer, nada que desse para entender. Além do mais você sabe como são as histórias de interior. Na verdade, acho que os habitantes de Lua Nova jamais concordaram com a construção de tais chalés, pois o movimento e o turismo acabariam transformando este lugar. Para evitar isso eles inventaram essa lenda. Eu nunca conheci ninguém que houvesse participado dessas excursões e me contasse pessoalmente o ocorrido. Independente de qualquer coisa, não temos saída melhor... não se assuste tanto, qualquer coisa tapo seus ouvidos – concluiu Mandara tentando sorrir e afastar o medo dos olhos de Letícia.

- E quanto aos outros, vai expor os “detalhes” do lugar?

- Acho melhor não, só iria causar mais mal-estar e quem sabe, de tanto medo, terminariam mesmo escutando coisas. A imaginação, aliada ao medo, é capaz de muitas coisas. Esse será o nosso segredo... combinado?

- O nosso segredo... – repetiu Letícia, dando maior ênfase à palavra “segredo”, já que possuíam outro bem maior.

A chuva continuava forte, quando Mandara falou:

- Bem, pessoal, infelizmente já está anoitecendo e não temos condições de continuar expostos. As barracas não agüentarão mais uma noite de chuva e suponho que tampouco vocês. Perto daqui existem uns chalés que servem de apoio às excursões em situações como estas. Não estão em muito bom estado, pois tivemos lá da última vez há um ano. Quebrarão o galho, no entanto. Ok?

- Ok!!! Todos responderam em uníssono, muito satisfeitos, exceto Helena, que continuou calada, com uma expressão estranha nos olhos.

Já estava escuro quando finalmente chegaram. Foram 06 km de dificuldades. A chuva continuava forte e as lanternas eram insuficientes. Caminhavam lentamente e muito próximos. O frio era intenso e a luminosidade era pouca. Aqui e acolá alguém tropeçava... todo cuidado era pouco e Mandara estava tensa e preocupada, assim como os demais. Só que sua atenção tinha de ser redobrada, pois era a responsável pelo grupo. Letícia segurava o braço de Mandara com força durante todo o caminho, sem disfarçar seu medo e o quanto confiava nela. Até que avistaram, finalmente, entre o espesso véu que formavam os pingos de chuva, os oito chalés estilo colonial, dipostos lado a lado. De longe, até que pareciam conservados, comentaram todos.

Entraram em um chalé que parecia a pequena recepção e Mandara logo se encaminhou ao gerador, antes de acender a luz. Graças a Deus que funcionava, pensou. Todos estavam ensopados e tremendo. Rapidamente ela deu as coordenadas:

- Bem, temos oito chalés. Com certeza sobrará espaço. Quem deseja ficar aonde, perguntou?

Israel e César se dispuseram a ficarem juntos, bem como Eva e Heitor. Apenas Helena insistiu em ficar sozinha, com uma voz enigmática, sem explicar o porquê. Também não foi contestada, nem por Letícia, nem por Mandara. As chaves foram distribuídas após a última instrução:

- Aconteça o que acontecer, não saiam dos chalés. Neles estarão protegidos. Nos armários têm cobertores, que devem estar um pouco empoeirados, mas darão pro gasto. Talvez ainda haja um pouco de lenha para a lareira. Parece-me que o dono manda alguém limpá-los de vez em quando. Afinal, outras pessoas já precisaram como nós... a propósito, vocês serão reembolsados pelo restante da viagem.

Todos se encaminharam para os respectivos chalés em silêncio. Letícia seguiu ao lado de Mandara. Foram para o de número 7, enquanto Helena se instalou sozinha no número 8.

Dentro do chalé as coisas pareciam velhas, mas não estavam tão empoeiradas quanto Letícia esperava. Ela comentou a surpresa e Mandara explicou:

- Esse é o reservado para o dono dos chalés. Ele ainda vem aqui, mesmo sozinho, por isso o mantém um pouco melhor.

- Até que o lugar é aconchegante – comentou Letícia, com um sorriso de alívio.

Enquanto Mandara acendia a lareira, Letícia sentada no tapete tentava tirar as botas enlameadas. O interior do chalé era todo de madeira escura, que lhe davam um ar rústico. As cortinas eram pequenas, cobrindo apenas as duas janelas de vidro que eram mantidas hermeticamente fechadas devido ao frio e à chuva que caia. Não havia muitos móveis, apenas um pequeno sofá e duas poltronas confortáveis, em tons pastéis como as cortinas. A cama parecia muito macia e convidativa. A colcha era de retalhos e havia almofadas espalhadas pelo chão e em cima da cama.

Quando a lareira estava devidamente acesa, Mandara caminhou até Letícia, que continuava sentada no tapete, toda molhada, e comentou:

- Você vai acabar gripada, menina. Dê-me suas roupas que as colocarei para secar. Amanhã estarão até passadas! – disse esboçando um sorriso.

Letícia prontamente obedeceu. Lentamente ergueu-se e tirou o casaco de moletom que já estava pesado de tanta água. Por baixo, havia uma leve camiseta de malha branca, já totalmente transparente, evidenciado os bicos dos seios arrepiados pelo frio. Mandara não pôde evitar direcionar o olhar. Mas cuidou de desviar rapidamente. Letícia percebeu e sorriu, deixando-a sem graça. Depois tirou a calça, também de moletom, que cobria suas pernas bem feitas, expondo-as aos olhos de Mandara, que já não desviou muito a vista. O ambiente estava na penumbra, iluminado apenas pelas chamas da lareira, que as aquecia, mas não mais do que o desejo explícito nos olhos de ambas. Por fim, Letícia estava despida, ostentando apenas uma calcinha fininha, branca, que se segurava apenas por uma tira lateral disposta com perfeição nos quadris bem feitos. Ela era deliciosa, pensava Mandara.

De tão absorta, Mandara sequer havia feito menção de tirar as próprias roupas. Continuava inteiramente vestida e igualmente ensopada. Letícia riu, pois estava clara a distração da outra por assisti-la.

- Agora é a sua vez, falou Letícia como quem anuncia um strip-tease em tom de brincadeira.

- Até faria se levasse jeito pra essas coisas e não estivesse tão cansada – falou Mandara sorrindo e demonstrando haver entendido perfeitamente o pensamento de Letícia... elas estavam em sintonia.

Dando as costas para Letícia, Mandara cuidou de afastar-se da luminosidade e aos poucos ia se despindo, enquanto Letícia pensava: “você não imagina o quanto leva jeito para essas coisas... não imagina o quanto me excita com esse seu jeito sem graça e alheia à sua própria beleza e sensualidade!”. Ela era muito bonita. As costas largas, desenhadas, assim como as pernas e os braços, que levemente evidenciavam sua musculatura rígida. A pele dourada, perfeita para o toque. Letícia não conseguia parar de imaginar como seria sentir aquele corpo nu junto ao seu e seu desejo foi parcialmente atendido em minutos.

Embaixo das cobertas, Letícia esperava. Mandara não tardou a estender as roupas próximo à lareira e encaminhar-se para a cama. Pela primeira vez as duas estavam realmente sozinhas. O mesmo ritual foi iniciado. De costas, Letícia deitou-se, enquanto Mandara deitou-se próxima. Os corpos nus quase se tocando. Letícia podia sentir o calor do ventre de Mandara e em mais alguns centímetros poderia sentir os pêlos de seu ventre em seus quadris. Não ousou aproximar-se, no entanto. Ao mesmo tempo em que estava tonta de desejo, se controlava. Tinha medo de não saber direito como Mandara iria reagir.

Mandara, por sua vez, já se sentia úmida apenas por imaginar colar seus seios nas costas de Letícia e seu ventre em seu quadril maravilhosamente próximo a seu corpo, lhe provocando todos os sentidos. Foi, aos poucos, se aproximando, até sentir a textura da pele de Letícia, que imediatamente se retesou um pouco pelo contato, sem, no entanto, afastar-se. A respiração das duas já estava quente e ofegante. Letícia não podia mais resistir. Queria que Mandara tomasse a iniciativa e faria por onde. Lentamente, de maneira muito delicada e discreta, com os dedos quase imersos em sua umidade, começou a se tocar. Mandara pensou, por instantes, que estava imaginando coisas, mas ao perceber os movimentos dos ombros e braços de Letícia soube com certeza o que ela estava fazendo. Aproximando os lábios da nuca de Letícia, Mandara fez menção de beijá-la e recuou. Percebendo o receio da outra, Letícia, virando-se, olhou-a nos olhos sem deixar qualquer dúvida quanto a seu desejo. Em seguida, tirou a mão já molhada de seu ventre e pegou uma das mãos de Mandara conduzindo-a por entre suas coxas. Mandara jamais houvera sentido tanto prazer. Colou o corpo ao de Letícia e, com os dedos enterrados em sua umidade, fazia-a gemer descompassadamente enquanto se movia, esfregando seu sexo nos quadris de Letícia.

Letícia também queria tocá-la e, abruptamente, virou-se para que Mandara se deitasse por cima dela, as duas se moviam de maneira quase selvagem. Os sexos se tocando, os dedos aprofundando o toque, as bocas coladas, com as salivas e umidades misturadas, gozaram forte.

Ainda sedenta, Letícia conduziu a cabeça de Mandara por seu corpo, deixando-a deter-se apenas em seus seios. Mandara os sugou avidamente. Letícia estava quase gozando novamente, mas queria que Mandara sentisse seu gosto. Por isso, empurrou-a para entre suas pernas e Mandara começou a sugá-la ritmadamente, enquanto seus dedos a penetravam mais uma vez. Os cabelos soltos de Mandara se perdiam nos dedos de Letícia, que conduzia sua cabeça para seu sexo, gozando mais uma vez.

No coração da Chapada do Ouvidor, os únicos gemidos que ouviram naquela noite foram os próprios.

No outro dia, ainda de pernas bambas, as duas se levantaram cedo. Seus rostos ainda estavam impregnados por seus cheiros, assim como o quarto. As roupas secas as esperavam e elas. Depois de um banho longo, pois o tomaram juntas, finalmente, se vestiram. Tinham a certeza de que, mesmo longe dali, teriam muitas outras noites feito aquela.

Ao encontrar os outros, Mandara perguntou se haviam dormido bem e, em resposta, Helena respondeu em tom sarcástico:

- Desde 1987 não durmo tão bem, apesar de todo os ruídos da noite, seja lá de onde vieram... – concluiu com um sorriso.

Naquele exato dia, Letícia sentiu que havia iniciado mais um novo e desconhecido percurso em sua vida. Entretanto, para ele, não contaria com mapas ou bagagens... Contaria tão somente com uma linda e apaixonante guia e isto, naquele instante, lhe pareceu o suficiente para que ela seguisse construindo sua própria trilha.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara Marina Porteclis, vc é simplesmente fantástica... desde o 1º conto que li de sua autoria fiquei fascinado, vc relata desejo, tesão de uma maneira gostosa, dá gosto e dá desejo ler... Parabéns!!! Você merece ter um fã clube para vc, pois pelo q li não só neste conto como nos outros você tem muuuitos fãs e gostaria de me incluir entre eles!!! PARABÉNS!!!!

O pensamento do conto "A TRILHA"‚ é belissimo. É pura verdade. Pois, …as vezes deixamos de enxergar a beleza a nossa frente, por puro medo. (e são varios medos). Temos de ter a coragem de olhar o mundo frente, parando apenas de chorar, diante da cegueira de alguns que pisam no povo.

O melhor conto que li neste site. Não. O melhor conto que li em todos os sites, mais uma vez meus parabéns.

PS: Este conto vai ter continuação?

FABIO ALEX