Às vezes é preciso deixar-se sangrar
E que o sangue escoe carregando-nos de nós mesmos
E que possamos partir,
Derramando-nos em vermelho,
O vermelho que clama vida
Mas exige morte anterior
Às vezes é preciso deixar as portas abertas
E o vento solto,
Senhor de sua vontade,
A invadir salas,
A preencher quartos,
A apagar velas,
A desalinhar quadros,
A arremessar chaves
A explodir janelas,
A recriar invernos,
A derrubar cristais,
A devassar mistérios,
A arrastar vidas, forças, folhas
Varrendo nossos quintais internos
Às vezes é preciso deixar-se a deriva
E que a falta de norte seja o próprio norte
E que a falta de vida seja a própria vida
E que a falta de sorte seja uma escusa esquecida
Para a dor que é, de fato, necessária
Ainda que imprevista
Às vezes é preciso deixar-se naufragar
E que a falta de vento seja o próprio impulso
E que a falta de vela corrompa nosso curso,
Arremessando-nos contra as mais grotescas pedras,
Tragando-nos, sem piedade, para o fundo,
Quando a falta de ar será o próprio ar
Vida e anti-vida
Veneno e antídoto
Matéria e anti-matéria
Mar que nos engole e nos expulsa
De dentro de nossas ostras
De dentro de nossas fórmulas matemáticas
Mas que padecem falhas
Pois nem sempre a razão impera
E na ausência do que mais se quer
Na presença do que mais se evita
Finalmente descobre-se uma verdade perdida:
Abandonar-se é única veia,
A única porta,
O único barco,
A única fórmula,
Tão perfeita quanto dolorosa,
De se retomar.
Um comentário:
"E na ausência do que mais se quer
Na presença do que mais se evita
Finalmente descobre-se uma verdade perdida:
Abandonar-se é única veia,
A única porta,
O único barco,
A única fórmula,
Tão perfeita quanto dolorosa,
De se retomar."
Uau...
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