terça-feira, 27 de janeiro de 2009

COM TANTO ESPANTO (Poesia)

Estou aprendendo
A suportar a falta de sono de olhos bem abertos,
A não sucumbir à falta de fome e à falta de afeto,
A não resistir ao que em mim se mantém desperto,
Tanto quanto tenho andado insone

Estou aprendendo
A não fugir da dor que dilacera,
A não temer o tempo que leva até passar,
Pois ela passa!
E quando passa, ainda resto

Estou aprendendo
A esvanecer as imagens de tantas fotos,
A entrar em casa mesmo quando esta me parece um desconhecido deserto,
A fechar todas as minhas portas
Sem medo de me sentir trancada:
É o que quero

Estou aprendendo
A ouvir músicas queridas distorcendo as lembranças,
Substituindo as metáforas,
Sublimando a saudade,
E a falta da outra voz me acompanhando

Estou aprendendo
Que nada disso era sabido,
Mas sobremodo necessário
E bem por isto aprendo
Com tanto espanto.

sábado, 24 de janeiro de 2009

ANTÍDOTO (Poesia)

Enquanto procuro antídotos
Para o veneno que eu mesma injeto
As curas me escapam pelas mãos
E a vida escoa pelos vãos,
Pelas fendas que não fecho
Quando não me vejo como quero
Quando me nego
Quando me puno
Quando fujo do que sou

E assim meu antídoto tem sido
Mais uma dose do mesmo veneno:
O que me mata tanto quanto me preserva
A dormência, a ausência,
Uma casa sem espelhos,
Uma parede sem janelas,
Um aquário onde,
Cercada de minhas próprias águas,
Nado só.

sábado, 17 de janeiro de 2009

VAZIO (Poesia)

Dentro de mim se aquieta um vazio
Não um vazio gélido,
Austero,
De vento frio:
As janelas estão fechadas

E o vazio faz-se morno,
Cálido,
Quase confortável,
Faz de meu corpo seu abrigo oco
Silencioso,
Desocupado

Na sacada da casa que sou não existem placas
Não há o que vender,
Não há o que comprar,
Não há nada!
Ou o que há resta em repouso,
Quase invisível,
Quase indizível,
Presente fantasiado de passado

No quarto que dormita em meu espírito
Havia uma cama quente e macia,
Onde meu corpo se amoldava
Esta cama não mais existe,
Já não se encosta a qualquer parede,
Aliás, sequer ficaram as paredes!
Sequer ficaram as sacadas!
O que se punha de pé desabou
Junto com todas as vigas que erguiam a casa

Mas hei de novamente reergue-la
Hei de novamente mobiliá-la
E não quero camas, sofás, guaritas, intrigas
Quero mobiliá-la com a vida
A mesma vida urgente que, por entre os móveis, se dissipava

E até lá,
Selando mais uma de minhas mortes,
Retomando mais uma de minhas vidas,
Acomodando o que não me pertence em caixas bem afastadas
Sei que enquanto guardo meu vazio,
Sinto-me por ele guardada.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O TODO (Poesia)

Oscilo
Entre a lucidez desgovernada e a escuridão comedida
Ergo-me diante das duas,
Ambas constroem e destroem certezas
Fomentam guerras e as apaziguam
Mas encaro-as do topo

Sigo
Dicotômica, antagônica, absorta
Dentro e fora do que sou
Dentro e fora do que fui
Dentro e fora de céus azuis e pântanos afoitos
Que me tragam e me expelem
Ora tomada de nuvens,
Ora tomada de lodo,
Mas sempre revestida de pele,
A mesma que me queima e me esfria e me protege

E assim, entre lentidão e taquicardia
Abro os olhos com esforço
E bem sei que ainda hei de sorrir
Tomando para mim o que é meu
E seja lá o que meu for
O quero todo.