Eu tinha quatro anos; uma cabeça
cheia de ideias; nenhum irmão da minha idade; uma árvore no quintal onde – deitada
em seus galhos e me equilibrando – sonhava toda tarde.
De lá de cima, do “alto” de minha
infância e independência, ficava à espera. No bolso, apenas algumas moedas. Era
o encargo dado por meu pai: esperar o padeiro para comprar o pão nosso de cada
dia. A primeira atribuição mercantil que tive na vida e com a qual eu me
divertia – mal sabia o quanto, ao longo de minha história, ainda iria ter que
pagar e prestar contas!
Pois bem. O padeiro se chamava
Seu Cristiano, tinha uma bicicleta vermelha, um bigode cinza e gigante, uma
bata azul com o nome da padaria na qual laborava, nome este que eu ainda não sabia
ler. Despontava sempre na mesma hora: cinco da tarde, com o sol dourando a rua
de barro e o vento fazendo as folhas de minha mangueira dançarem.
Eu descia lá do alto de um só
pulo e sempre animada. Seu Cristiano, de forma rude e ao mesmo tempo, carinhosa,
alisava minha cabeça com as mãos sujas e sempre me contava uma história. De
quebra, ainda me ensinava a contar o troco e, com o mesmo sorriso de dentes
ocos, ia embora.
Num determinado dia, a tarde era
igual, eu estava na mesma mangueira, lendo o mesmo gibi de Chico Bento, com a
cabeça imersa em meus pensamentos, quando Seu Cristiano chegou. Ele trouxe,
porém, uma novidade que faria minha vida transmudar inteira. Corri para
recebê-lo com minhas moedas e, de troco, ganhei mais do que pães-seda. Ele tirou
do bolso, num só saque, um ser mínimo, franzino, com os pelos todos arrepiados,
os olhinhos sujos, o rabo fino, mas, aos meus olhos, absolutamente lindo! Era
meu primeiro gato.
Com um ar de riso, Seu Cristiano me disse que era um presente. Retribuindo, também lhe sorri. Mas foi um sorriso diferente. Um sorriso sério, tenso, quase contido, de alguém que, pela primeira vez, tem uma vida nas mãos.
Peguei meu presente com todo
cuidado. As mãozinhas trêmulas, os olhos vivos. Ele era preto e branco. Logo lhe
batizei como Zico, jogador favorito de meu pai... e de Seu Cristiano. Apesar de
assustado, Zico me olhou com o mesmo brilho, só que esverdeado. Ali mesmo,
naquela calçada, local de nosso primeiro encontro, eu pude compreender quão
límpido e sincero é o olhar de um felino, insuflado de gratidão por ter ganhado
uma dona e uma casa.
Por falar em casa, corri para
dentro imediatamente da minha e fui ter com minha mãe. Exultante de felicidade,
apresentei meu presente que miava e se chamava Zico. Minha mãe quase teve um
enfarte. Conteve-se para não correr atrás da bicicleta vermelha de Seu
Cristiano, que já devia ir longe. Intimamente, hoje sei, minha mãe sempre soube
a verdade: certamente meu amigo padeiro encontrara o filhote à beira do caminho
e à margem da vida, optando por lhe entregar à primeira criança que
encontrasse. A “privilegiada” havia sido eu que, em minha inocência, me sentira
verdadeiramente premiada. Por graça da vida, minha mãe compreendeu minha
alegria pueril e não foi capaz de retirá-la. Aceitou Zico e a nova filha, que
agora se dizia mãe de um gato.
Zico cresceu ao meu lado. Toda
tarde, subia na mangueira comigo e, pacientemente, me ouvia contar histórias e
mais histórias, algumas com e outras sem graça. Dormia durante o dia sobre a
sinuca de meu pai e, durante a noite, sob minha cama. Ronronava nos meus
braços, mesmo quando, desajeitados, tentavam lhe segurar pelo pescoço. Foi
incapaz de me dar um arranhão ou uma mordida enquanto eu era pequena. Parecia
compreender que eu ainda era criança e não julgava meus gestos mais bruscos
como um perigo. Ficou enorme, com o pelo reluzente e espesso, os olhos verdes
sempre expressivos. Absolutamente lindo, não só aos meus olhos, mas aos de
todos e por onde passava. Vira e mexe, desaparecia por uns dias e voltava
saudoso e machucado. Às vezes trazendo como presa uma lagartixa. Com todo
orgulho, nos cedia sua caça. A cada retorno, minha mãe o tratava e eu o mimava.
Assim fomos crescendo juntos. Viramos adolescentes, esticamos em corpo e em mente. Também em
espírito.
Até que, um dia, Zico saiu e não voltou mais. Chorei dias e noites sem parar. Já não tinha apenas quatro anos, tampouco inocência que me permitisse supor que meu grande amigo havia apenas ido passear num lugar mais divertido e distante. Sabia que, daquela vez, não iria mais voltar. Era apenas de ida a passagem. A morte já não me era estranha. Com a ida de Zico, aprendi sobre a saudade.
Hoje sou adulta; tenho quatro gatas que amo; perdi minha mangueira, mas subi em outros planos; não tenho mais nenhum amigo padeiro, mas aprendi a observar os trocos que obtive da vida: dei uma casa, comida e amor a Zico, apenas isto! Mas o que recebi em troca foi por demais amplo. Meu primeiro gato me ensinou que é possível ter um amigo, mesmo que falemos línguas diversas e sejamos de outra espécie. O amor não tem raça, cor, sexo ou tamanho. Ainda hoje, quando me sinto só e triste, sou capaz de sentir Zico passeando por minhas pernas, como se, ronronando, dissesse: “não me abandonaste e eu nunca te abandono”.
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