quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

TODO AZUL DO MAR (Conto)



Capítulo III


O TERCEIRO SONHO


Era uma sexta-feira e eu, para variar, estava atrasada para a faculdade. Na garagem de casa, praguejei contra todos os santos quando percebi que meu carro havia quebrado. Liguei para Fabiana que, por sorte, ainda estava saindo de casa. Em cinco minutos, chegou minha carona. Em menos de uma hora estaríamos fazendo a última prova do ano. Fabiana tentava relaxar ouvindo Enya, enquanto eu reclamava. Não estava a fim de ouvir aquele tipo de música, o que me deixava ainda mais irritada. Como minhas reclamações não surtiam efeito, me resignei e decidi que iria o resto do percurso calada. Um estado de estupor logo me domou.

Eu era um homem belo, alto e vigoroso. Com prazer, sentia meus cabelos negros dançando ao vento, enquanto conduzia a carruagem. O caminho era de terra batida, cortando uma imensa floresta de árvores agigantadas. A umidade do ar era pesada, assim como as roupas que eu trajava. Ao olhar para trás, senti uma imensa alegria. Lembrei que, dentro da carruagem eu conduzia a mulher que amava. Mesmo às escondidas, ousávamos viver aquele amor proibido. Ela era uma duquesa e eu apenas um dos guardas do reinado, responsável por sua segurança.

Enquanto os cavalos arrefeciam o passo, antes de atravessarmos a ponte que dividia as propriedades vizinhas, olhei para a janela. As mãos delicadas que eu tanto conhecia e que costumavam percorrer meu corpo com sofreguidão, vestindo luvas brancas, abriram as cortinas. Com o coração cheio de paixão, busquei aquele olhar que tanto me fascinava. O par de olhos azuis estava lá novamente a me devorar. Estanquei os cavalos e desviei o rumo. Com pressa, entrei pela floresta e desci da carruagem, encobrindo-a por entre as árvores.

Vi minhas mãos rudes abrindo a porta, puxando minha dama para meu corpo, que já ansiava ereto. O perfume daqueles cabelos sempre me inebriava. A duquesa me beijou com força, indiferente à barba áspera que lhe maculava a pele. A boca doce e ávida mordia meus lábios grossos. Ergui suas saias, as anáguas, enquanto ela desabotoava minha calça, enfiando as mãos com pressa, em busca de meu membro rijo. Ergui-a, encostando-a em uma das árvores. As pernas alvas se enlaçaram em minha cintura. Senti-me afundar inteiro dentro dela, que estremeceu, me arranhando a nuca. A duquesa passou a me cavalgar, enquanto eu lhe prendia pela cintura. Minhas pernas, apesar de firmes, estremeciam cada vez que ela me engolia. Jorrei forte, sentindo nossos líquidos se misturando. Ela desfaleceu em meus braços e me olhou nos olhos, me deixando perdido naquele azul. A face estava rosada pelo esforço, o busco voluptuoso descompassado. Cansados, tombamos no chão seminus.

Não vi quando os homens se aproximaram encapuzados. Sobressaltado, me ergui e busquei protegê-la, mas já era tarde. Senti uma pancada forte em minha cabeça e o gosto de sangue logo chegou à minha boca. Antes de perder os sentidos, percebi o brasão do reino por entre as vestes negras de um dos soldados. Era a vingança que temíamos enviada pelo noivo da duquesa, príncipe do reinado. A última cena que vi foi uma lança transfixando os seios belos e amados que, minutos antes, eu sugava.

Despertei no estacionamento da faculdade e desci do carro de Fabiana sem dizer nada. Caminhei pelo pátio ignorando minha amiga, que me chamava preocupada. Entrei no primeiro ônibus que vi e voltei para casa. A prova que fosse para o espaço. Aquele sonho eu não era capaz, sequer, de contar.

O ano letivo terminou e vieram as férias. Logo depois do ano novo, eu e meus pais viajamos para a fazenda de meus avós. De certa forma, me fez bem respirar novos ares. Adorava aquele lugar, que frequentava desde pequena. Levei vários livros que queria ler há bastante tempo e não vinha conseguindo; escrevi algumas poesias na sombra das árvores, como costumava fazer desde criança; joguei cartas com meus avós, que eu tanto amava, até tarde da noite, enquanto tomávamos café e ouvíamos o coaxar dos sapos e o som do rio de corria por detrás da casa grande; caminhei com meu pai de manhã cedinho com os pés descalços, sentindo o orvalho que ainda repousava sob a grama; andei a cavalo com minha mãe até a cachoeira, aproveitando o calor das tardes para tomar um refrescante banho. Enfim, me renovei para o novo ano.

Retomei a faculdade cheia de força. Os sonhos não se repetiram e eu, mesmo com esforço, não conseguia mais me lembrar dos olhos azuis com a mesma precisão de outrora. Uma parte de mim lamentava, sentindo uma saudade absurda daquela desconhecida; outra parte, talvez a mais sensata, se sentia aliviada.

Rapidamente me vi no meio do ano letivo. Evandro e Camilo haviam assumido o relacionamento para as famílias que, para a felicidade e surpresa geral, tinham aprovado a união dos dois rapazes que visivelmente se amavam e respeitavam. Eu e as meninas recebemos a notícia com euforia e Natascha fez mais uma de suas premonições: era o sinal dos novos tempos.

Coincidência ou não, todos nós passamos a viver uma boa fase. Natascha havia reatado com o pai de Vitor, que implorara uma chance e vinha se mostrando bastante mudado; Fabiana estava começando a namorar um rapaz do quinto ano, que parecia bem bacana e desencanado; eu estava em paz comigo mesma e com meus pais.

Afetivamente, todavia, para mim, nada tinha mudado. Não me envolvia por ninguém, apesar de ter alguns casos. A única que continuava prendendo minha atenção era Cristiana, a professora de dança que, porém, era casada. Segundo Fabiana, aquilo era chave de cadeia. Minha amiga tinha razão e, também por isso, eu me mantinha distante.

Numa tarde, enquanto chegava à academia com Fabiana, avistei Cristiana cercada por outras alunas que pareciam entretidas com algo. Ao todo, eram umas cinco mulheres, todas disputando espaço na arquibancada que ficava à beira da piscina. Como aquele caminho seria necessariamente nossa passagem, nos aproximamos.

Percebi que Cristiana e as outras olhavam uma revista. Logo constatei que se tratava da playboy mais polêmica do ano, que tinha ido às bancas exatamente naquela semana. Na capa, duas famosas dançarinas de uma banda baiana estavam nuas e literalmente “se pegavam”. Quando eu passei, olhei para Fabiana com cumplicidade e sorri. Foi quando ouvi o comentário de Cristiana, que, embora falasse para as outras, olhava em minha direção:

- Que nojo! Eu jamais ficaria com uma mulher! Morreria intacta, se fosse minha única opção!

Aquela frase, tenha ou não sido dita de propósito, me causou um impacto enorme. Ódio e tesão se misturaram em mim, quando olhei para a professora. Ela vestia uma malha que deixava entrever totalmente as curvas do corpo bem feito e suado. Um decote denunciava os seios fartos, cujos bicos se fizeram visivelmente rijos sob meus olhos. Encarei-a de forma tão cínica quanto fria, e, sem qualquer pudor, observei cada centímetro do corpo que instintivamente se inquietou.

Fabiana me puxou e, entre os dentes, perguntou o que havia sido aquilo! Eu disse que estava apenas comendo com os olhos aquela que, em breve, comeria inteira, custasse o que custasse. Minha amiga me reprovou, beliscando meu braço. Mas, intimamente eu sabia: até Fabiana tinha se chateado com o comentário. Agora até ela, apesar de careta, deveria estar torcendo para ver a professora mordendo a língua.

Dali em diante, minhas tardes na musculação passaram a ser mais interessantes. Cristiana repentinamente mudou de horário e passou a malhar pontualmente às cinco da tarde, justo quando eu e Fabiana chegávamos. Minha amiga, que de boba não tinha nada, bem sabia o motivo daquela mudança. A professora estava realmente doida para mudar de lado. Só continuava me pedindo que tivesse cuidado.

Na faculdade, nada novo. A correria de sempre, a pressão dos professores e os encontros furtivos nos corredores, às vezes gazeando aula. Evandro, Camilo e Natascha já haviam se inteirado da história da professora e fizeram questão de ir assistir a uma apresentação de dança da academia só para conhecê-la. Todos aprovaram.

Cada dia Cristiana se fazia mais solícita comigo e, depois de faltar uma semana à musculação, apareceu com as curvas menos acentuadas e sem aliança. Eu não sabia se ficava feliz ou se temia pela novidade. Embora me sentisse extremamente atraída por ela, não queria uma namorada.

Um dia, no banheiro, enquanto eu lavava as mãos defronte ao espelho, ela entrou e, parando atrás de mim, disparou, enquanto olhava fixamente em meus olhos pelo reflexo:

- Eu menti quando disse que tinha nojo.

Antes que eu pudesse dizer do quanto eu já sabia daquela mentira, ela deu as costas e se retirou. Eu só tive tempo de apreciar a bunda bem feita sob a malha que, sem dúvida, escondia uma calcinha fio dental das mais ousadas. Naquele instante tive a certeza de que ela também não queria exatamente um namoro e relaxei. Que a vida seguisse seu rumo. Eu tomaria para mim o que estavam me oferecendo.

Sábado pela manhã eu nem costumava ir à academia. Geralmente íamos à Praia do Francês. Eu e Natascha levávamos o bodyboard para surfar, enquanto Fabiana e os meninos ficaram na areia tomando conta de Victor e jogando conversa fora. Naquela manhã, todavia, convenci Fabiana que poderíamos dar uma passadinha na academia, afinal, estávamos nas vésperas do São João e teria um café da manhã junino organizado pela dona, que adorava esse tipo de evento. Era óbvio que eu queria ver Cristiana. Estava estampado em meu sorriso cínico quando propus. Um tanto quanto contrariada, Fabiana topou.

Ao entrar na sala de musculação, um banho de água fria: Cristiana estava ajudando na organização da mesa com canjicas, pamonhas, milho verde, bolos dos mais sortidos, mas, como auxiliar, contava com Rodrigo, seu filhinho de oito anos que, animadíssimo, vestia calça jeans, camisa xadrez e botas, além de ter na face um bigodinho de matuto. Ambos lindos. Aquela cena me encheu primeiro de frustração, mas logo veio o remorso. Que tipo de criatura eu tinha me tornado que, querendo pegar a mãe da criança, praguejava contra a presença do filho, ainda mais uma criança tão doce e cativante?

Fabiana não se conteve e, sorrindo, me consolou:

- Se não pode vencê-los, junte-se a eles!

Ela tinha razão. Fui ajudar na seleção das músicas, enquanto Fabiana ajustava as bandeirinhas e balões. Aos poucos, outros alunos foram chegando, todos conhecidos companheiros de malhação. A turma da academia era legal e descontraída, muito diferente do pessoal da faculdade. Resolvemos então trocar em definitivo a praia pela festa junina. Liguei para Natascha, que morava pertinho, e a convidei, dizendo que trouxesse Victor. Fabiana, por sua vez, chamou Ulisses, o namorado legal do quinto ano. Camilo e Evandro, também alunos, já haviam dito que chegariam em instantes. Enfim, em poucos minutos, nossa mesa estava preenchida por nossa gang. E ali ficamos nós, sem noção do tempo. O café da manhã se estendeu pela tarde.

Depois que a maioria dos alunos foi embora e a própria dona da academia relaxou, Cristiana se aproximou e pediu licença para, finalmente, sentar à nossa mesa. Natascha, como sempre, ergueu-se e saiu do meu lado, cedendo a cadeira de forma nada disfarçada.

Visivelmente cansada, a professora sentou-se ao meu lado, apoiando-se na cadeira em busca que algum conforto. A mulher provocativa e sensual trocara as malhas por um vestido junino que, para minha surpresa, lhe emprestava um ar angelical e até pueril. Vez por outra, Rodrigo também passava pela mesa, sendo fisgado pela mãe que, carinhosamente, lhe ajeitava os cabelos e lhe fazia beber alguma coisa. Na presença da criança, vi também sua face materna e a achei ainda mais linda. Rodrigo e ela eram bastante parecidos. Mesmo sem querer, imaginei como deveria ser o pai. Logo repreendi meu pensamento, pois não tinha nada a ver com aquilo.

Pela primeira vez, eu e ela tivemos uma conversa decente, sem entrelinhas e tom provocativo. Cristiana me contou porque resolvera ser professora de dança e a paixão que carregava pela música desde pequena. Disse que engravidou ainda muito cedo e, mais por isso, casou com o pai de seu filho. Teve que deixar de dançar durante algum tempo em virtude de intercorrências relacionadas à saúde e ao ciúme do ex-marido. Depois de ter Rodrigo e enfrentar a gravidez de risco, restou-lhe enfrentar as constantes crises de Marcos. Só então tive o desprazer de ouvir, pela primeira vez, o nome do pai de seu filho.

Limitei-me a escutá-la a maior parte do tempo. Eu não era mesmo de falar muito. Segundo Fabiana, eu tinha um quê de introspecção que, no início, até intimidava, mas, ao mesmo tempo, trazia confiança e fazia com que a maioria das pessoas se sentisse bastante à vontade comigo, sobretudo as pseudo-héteros, como bem lembrava minha amiga. Era justamente o caso.

No final da festa, quando o salão estava praticamente vazio, Cristiana chamou Rodrigo que corria sem parar com Victor, ambos já livres das camisas xadrez e botas. Sutilmente, pediu licença a mim, dizendo que precisava dar um jeito no filho, quem sabe até um banho no chuveirão da piscina, pois o pai estava chegando.

Eu, mesmo sem querer, arregalei os olhos, em estranhamento. Ela então me sorriu e, pousando a mão sobre meu ombro, me trouxe a explicação:

- Ele vai passar o resto do final de semana com Marcos.

Ao retirar a mão de mim, deslizou as unhas sutilmente por meus ombros e eu entendi perfeitamente o recado. Minha noite de São João contou, literalmente, com fogos de artifício.

Dali, seguimos para o motel mais próximo, ela mesma conduzindo o carro e pedindo uma suíte que, sem dúvida, estava além de minhas posses. Assim que estacionamos, ela não esperou nem o fechamento da porta da garagem. Atacou-me ali mesmo, se colocando em meu colo e abrindo minha camisa. Perdeu a paciência com os botões e arrancou a metade, enquanto me devorava com os olhos e se livrava do próprio vestido. Era a minha vez de fazer alguma coisa. Contendo os impulsos da moça, segurei-a pelos pulsos, pedindo-lhe mais calma. Eu não iria fugir nem a deixaria fazer isto. Ela me sorriu e, com o ar entrecortado, me pediu desculpas.

Não havia o que desculpar, eu lhe disse, olhando-a firme. Como ela se mantinha em meu colo, recuperando a respiração e me olhando de forma ainda lasciva, eu tomei a frente. Tocando seu rosto, deslizei os dedos pelos lábios, que se entreabriram, buscando meus dedos. Com tato, desfiz o rabo de cavalo e a encontrei ainda mais bonita, de cabelos soltos. Segurei-a pela nuca e a puxei para mim, encontrando-a finalmente em um beijo. Ela respondeu por inteiro. Senti que nossos desejos eram tão intensos e recíprocos que não precisaríamos de muita coisa para gozar ali mesmo. Mas eu não queria assim. Daria a ela uma primeira transa digna de quem esperou tanto tempo para tocar outra mulher. Não queria que depois houvesse qualquer resquício de arrependimento. Sai do carro e a levei comigo. Subimos as escadas com pressa, abrindo a porta para um quarto suntuoso e confortável, à meia-luz.

Na cama, a despi sem pressa, enquanto ela arqueava o corpo, livrando-se da última peça: uma calcinha de renda branca já inteiramente molhada. Erguendo a perna torneada, livrou-se da lingerie e manteve-se arqueada. Antes de fazer o que ela já esperava, olhei-a por entre as pernas que já se dispunham abertas. Nos olhos negros, além de desejo, vi súplica e agonia. Eu não a torturaria mais. Encostei a boca quente nos lábios que me eram oferecidos. Ela abriu-se ainda mais, ansiando por minha língua, mas eu resisti. Mantive a boca colada ali algum tempo, brincando com a língua sem penetra-la, saboreando o gosto e a quentura daquela chama tão acesa: a pele fina e vermelha que encobria o botão da sensibilidade.

Cristiana se inquietou, puxando minha cabeça, fazendo pressão e se mexendo sob minha boca, como se dançasse. Gemia alto e eu já não conseguia mais me conter. Ela não merecia, nem eu precisava. Deslizei a língua para dentro dela e a enrijeci, metendo lá dentro, com a boca entreaberta. Meus lábios roçavam os lábios externos dela, enquanto eu a invadia. A língua já não bastava e eu cedi ao que ela queria, mergulhando meus dois dedos. Segurei-a pelas ancas arqueadas quando as pernas torneadas já perdiam as forças. A senti tremer em minha boca, enquanto soltava um gemido de prazer infinito que ocoou pelo quarto. De forma sincera, quase doce, ela me confessou:

- Foi o melhor gozo de minha vida!

Mais uma vez ela me dizia o que, para mim, não era segredo. Deixei-me cair sobre ela e, ajeitando-me entre suas pernas, a provoquei e a penetrei novamente. Dentro em pouco, era eu quem gemia alto, enquanto Cristiana me arranhava inteira, abraçando-me com as pernas firmes e tão bem esculpidas que desde sempre me chamaram a atenção. Aquela seria a primeira de muitas noites, tivemos a certeza.

Sem detalhes, fui obrigada a inteirar meus quatro amigos do restante da noite que tive com Cristiana logo na segunda-feira. Deitada no colo de Natascha, que adorava alisar meus cabelos, e cercada por Fabiana, Evandro e Camilo, fizemos uma roda no chão do corredor da faculdade. Enquanto riamos, todos ávidos pela minha última conquista, as patricinhas do bloco de Direito passavam horrorizadas com aquela cena. Sabiam que eu e os meninos éramos gays e, sem qualquer critério, toda e qualquer mulher que me tocasse deveria ser também. Natascha, que não se importava nem um pouco com a fama, continuava me alisando.

Aliás, para o desespero das meninas caretas e metidas, quanto mais elas nos olhavam, mais minha amiga provocadora “tocava o terror”, fingindo me seduzir em pleno corredor da faculdade. Evandro e Camilo se divertiam com os olhares chocados das que passavam, enquanto Fabiana ficava vermelha, envergonhada, mas também gostando da revanche propiciada por Natascha. Foi quando uma criatura em particular me chamou a atenção.

Ela caminhava cercada pelas meninas mais populares do quinto ano. Os cabelos acobreados contrastavam com a pele branca, encobrindo-lhe parcialmente o rosto. Não era alta nem baixa; não tinha o corpo escultural, mas absolutamente normal. Talvez nunca me chamasse a atenção não fossem aqueles inacreditáveis e familiares olhos azuis. Ela não pareceu se chocar com o que viu e, de modo firme, pousou o olhar em meus olhos e assim se manteve por alguns segundos que desafiaram o passar do tempo. Fui eu quem interrompeu o olhar, já sem aguentar o efeito daquele encontro. Tudo dentro de mim em ebulição. Por impulso, ergui a cabeça do colo de Natascha e me encostei à parede. A moça então baixou a vista e continuou seu caminho.

Como eu nunca a vira antes, meu Deus? Foi o que me indaguei o dia inteiro e os seguintes. Depois daquilo, ir a faculdade passou a ser um momento extremamente esperado e mais ainda a chegada dos intervalos. Procurava por ela pelos corredores, sem conseguir me conter. Fabiana, que me conhecia como ninguém, havia notado o olhar que lancei para a criatura desde o primeiro instante. Facilmente conectou minha atração pelos olhos azuis que a moça possuía e que, de fato, eram muito particulares. Claro que eu deveria ter associado-os aos sonhos.

Em uma das conversas que tivemos, confessei a Fabiana que vinha pensando constantemente na moça que eu nem conhecia, contrariando toda a minha racionalidade. Estava quase conversando com Natascha, que certamente teria uma explicação para aquela minha insanidade súbita. Eu só poderia estar enlouquecendo. Fabiana sorriu e, como sempre, aliviou minha agonia dizendo que eu estava, simplesmente, apaixonada, coisa que, até então, eu não conhecia.

Aquelas palavras serviram a mim como um bálsamo. Sim, era apenas isso: paixão. Quem mandou tirar tanta onda quando meus amigos se diziam nesse estado? Naquele momento, foi o diagnóstico de minha normalidade. Não havia porque me preocupar. Não tinha nada a ver com meu sonho ou vidas passadas. Que doidice a minha! E não havia mal algum em me sentir feliz com a simples perspectiva de avistar ao longe a dona dos olhos azuis, resumiu minha amiga.

Natascha nos surpreendeu em meio a tal conversa e, curiosa como sempre, me convenceu a contar o que estava me tirando do sério. Ouviu a tudo muito atenta e em silêncio. Resolveu falar apenas enquanto discutíamos uma forma de descobrir mais sobre a aluna do quinto ano.

- Vocês são bobas, viu? Não tem nada mais fácil. Basta Fabiana perguntar ao namorado, afinal, eles não estudam na mesma sala?

- Isso, Natascha! Ideia perfeita! Eu chamo Ulisses e digo: amor, me conta o que você sabe sobre sua colega de olhos azuis! É que Jordana já sonhou com a moça algumas vezes e agora quer convertê-la ao mundo gay devidamente acordada! Simples assim! – encerrou a frase com ironia.

As duas, vez por outra, discutiam, sempre disputando espaço. Eu intercedi por Fabiana, que já fazia menção de se irritar com a mania que Natascha tinha de sempre se achar a sabichona e resolvedora de casos.

- Opa! Não precisam se estranhar, crianças! Mais cedo ou mais tarde eu mesma descobrirei pelo menos o nome da moça sem que Ulisses tome conhecimento da causa.

- Por falar em Ulisses... – avisou Fabiana sobre a aproximação do namorado, olhando-nos aquela cara de “calem a boca”.

Mas é claro que Natascha não ia perder a oportunidade:

- Ulisses! Veja só! Estávamos falando agorinha de você!

O rapaz olhou para mim e para Fabiana, que nos mantivemos incrédulas e consternadas. Natascha emendou:

- Fabiana não admite, só quer ser a durona, mas tá morrendo de ciúmes!

Eu olhei para Natascha contendo minha vontade de rir, enquanto Fabiana continha a vontade de pegá-la pelo pescoço. Queria só ver aonde ela iria chegar e a doida continuou:

- Cismou que tem uma coleguinha sua que sempre passa te encarando! Uma bem bonitinha, patricinha de olhos azuis...

Ulisses sorriu, nitidamente lisonjeado pelo ciúme da namorada, que, realmente, não era lá de demonstrar o que sentia. Olhando para Fabiana com cara de apaixonado, logo explicou:

- Meu amor, imagina! Aquela é Maria Amélia, namorada de Gustavo.

Eu, que já estava me animando com o método investigativo de Natascha, deixei o sorriso morrer em meus lábios. A dama de olhos azuis tinha um nome lindo, mas também tinha um namorado. Ulisses continuou:

- Não sei nada sobre ela, apenas que tem uma família bastante tradicional, que dá a Gustavo bastante trabalho. Parece que os pais moram no interior, enquanto ela e o irmão dividem um apartamento por causa da faculdade. O cara é um saco de ciumento e dá uma de guardião. No mais, nunca trocamos nem meia dúzia de palavras. Além disso, nem preciso dizer o quanto só tenho olhos para você! Até parece que não sabe!

A raiva de Fabiana se dissipou parcialmente diante da declaração do namorado. Ainda assim, encarou Natascha fuzilando-a, como quem diz “você me paga”. Mas não havia tempo para maiores divergências. Eu estava precisando de apoio.  Num diálogo mundo, ambas desviaram os olhos e me consolaram, ainda que em silêncio. Eu tava realmente arrumada!

Não sonhei mais com a moça de olhos azuis, tampouco avistei Maria Amélia no correr daquela semana. No sábado, resolvi ir com os meninos para a boate e levar Cristiana junto. Ela queria de todo jeito conhecer um lugar gay e eu precisava de alguma distração. Pensei que a “novata” ficaria menos à vontade, mas logo vi que estava errada.

No salão escuro, inebriada menos pela vodka e mais pelas batidas da música alta, Cristiana logo me puxou para um beijo sem qualquer pudor. A professora de dança parecia se excitar ao ver as outras mulheres nos observando. E aí era que me beijava e dançava daquela forma que só ela sabia fazer.

Minha companhia era, de fato, uma mulher e tanto! Além de tudo, “carne nova no pedaço”, o que fazia com que as outras a cobiçassem ainda mais. Já eu, conhecida de todos, apenas me deliciava, sem nunca deixar de, também, me saber desejada por minhas iguais.

Ao meu redor, vários rostos conhecidos se misturavam em meio às luzes e à escuridão. Mãos, pernas, cabelos, perfumes, olhares, tudo se alternava e se fundia, virando um todo. Eu e Cristiana, nós e as demais. Corpos suados e colados. Música e tesão. Muita adrenalina para conter. Ainda assim, mesmo envolvida pela volúpia e pela vaidade daquele instante, a cada foco de luz que povoava os cantos boate, eu buscava pelos olhos que tanto queria esquecer.

Os dias iam se passando e eu cheguei a ver Maria Amélia algumas vezes nos corredores. Ela, porém, parecia sequer me perceber. Nossos olhares não mais se encontraram. Mesmo quando Natascha tentava chamar a atenção, provocando-me, a criatura passava por mim incólume, enquanto suas amigas metidas viravam o nariz para não nos ver.

Nunca fui dada à postura de vítima. Aliás, sempre fui por demais segura e até mesmo convencida para me deixar abalar por qualquer pessoa que me ignorasse. Dali em diante não seria diferente. Logo me forcei a parar de procurar por Maria Amélia e, em pouco tempo, já acompanhava os quadris bem feitos das demais. Aquela história de amor platônico, definitivamente, não combinava comigo. Além disso, vinha me divertindo bastante com Cristiana, que a cada dia estava melhor fora e na cama. Assim o tempo ia passando.

Graças a Evandro e a Camilo, meus amigos entusiastas dos Direitos Humanos, a professora de Constitucional teve uma idéia brilhante: visitar o presídio recém-inaugurado e que ficava logo atrás do Campus. Que ódio que eu tive dos dois! Estávamos cheios de trabalhos na faculdade e, como se não bastasse, no estágio eu também estava acumulando processos! Agora ia perder minha manhã de sábado para ganhar um ponto na disciplina que eu menos precisava! Pensei em não ir, mas, a consciência pesou. Natascha tinha razão: eu sempre tive lá um “q” de CDF.

Existia apenas um ônibus do sistema penitenciário e, justamente por isso, como se não bastasse a ressaca pela noite de sexta, me vi em pleno sábado no pátio da faculdade, sob o sol das nove horas, esperando a tal condução.

Natascha, que estava logo atrás de mim na fila, mascava chiclete alto. Com os óculos escuros, tentava ocultar a ressaca que também sentia. Havíamos saído no dia anterior para um desfile da Triton e o que iria ser uma noite de moda se transformou em uma noite de farra. Resultado. Nos duas estávamos deploráveis, cada uma com mais mau-humor. Enquanto isso, Evandro e Camilo passeavam ávidos pelo pátio, animadíssimos por serem os coordenadores do tal passeio.

- Ah, bichas safadas! Não fosse minha necessidade, eu os matava! – era Natascha praguejando, pois, ao contrário de mim, precisava mais do que tudo daquele ponto.

Eu sorri, enquanto avistei Fabiana do outro lado do pátio, bem feliz e leve, ao lado do namorado na fila do quinto ano. Somente depois de algum tempo, notei que Maria Amélia conversava animadamente com suas companheiras de turma. Com os olhos azuis encobertos pelos óculos escuros, a moça, para mim, já se confundia na multidão.

No ônibus, eu e Natascha estávamos mais mortas do que vivas. Encostei a cabeça em seu ombro, contendo o enjôo e o sono, enquanto minha amiga praguejava por não ter feito faculdade de moda. Que merda era aquela de Direitos Humanos? Indagava entre os dentes.

O presídio inaugurado era destinado apenas aos réus que possuíam nível superior. Para complementar a visita e mesmo dar-lhe mais sentido, Evandro sugeriu à professora que visitássemos antes o presídio antigo, que ficava a alguns metros do novo e que era destinado aos que não tinham nenhuma escolaridade. A comparação entre os dois estabelecimentos, mais do que tudo, seria importante, justificou o aluno que agora era quase meu ex-amigo. A professora, que adorava Evandro, prontamente aceitou. Natascha jurou que mataria nosso colega assim que estivéssemos longe daqueles presídios.

Caminhávamos pelos corredores escoltadas pelos agentes penitenciários, mas nem a adrenalina me despertou. As grades me eram conhecidas. Eu mesma já havia lutado bastante para romper as minhas, as quais me pareciam bem mais injustas e despropositais. Aqueles homens haviam procurado a cela que habitavam, eu não. Sei que não senti compaixão, nem piedade. Sentia apenas tédio e sono. Estava mesmo me transformando.

Finalmente deixamos o presídio antigo e fomos para o novo, o que significava que metade da tortura estava acabando. Lá sim uma cena me chamou a atenção: os mesmos estudantes que passaram pelos presos pobres, analfabetos e enjaulados no estabelecimento prisional anterior, fazendo cara de nojo e horror, agora apertavam as mãos de alguns presos ricos e conhecidos, a maioria políticos de renome. Meu enjôo se intensificou. Talvez eu não tivesse mudado tanto.

Natascha havia dado um jeito de ganhar seu ponto em Constitucional assinando a ata e, literalmente, fugindo na metade do caminho. Fiquei sozinha, assistindo meus colegas naquela cena deplorável de hipocrisia. Graças a Deus, logo depois o passeio terminou.

No ônibus, sentei de cabeça baixa. Tinha vergonha de meus companheiros de curso. Que tipo de juizes, promotores, advogado seríamos? Tive um pouco de vergonha também de mim, que havia aprendido pouco com aquelas prisões, julgando mais severas as minhas. Meus colegas eram hipócritas e eu egoísta. Um pedido de licença me tirou de meus devaneios. Minha sentença ficaria para depois.

- Posso sentar aqui?

Era Maria Amélia que questionava, já se sentando ao meu lado. Assenti com a cabeça, sem forças para responder o que nem era necessário. Fomos todo o percurso caladas. Meu coração me pegou uma peça, mostrando-se descompassado. Eu não havia me tornado indiferente a ela, como pensava. Confusa, sentia seu perfume com a certeza de que jamais iria esquecê-lo, reconhecendo-o em qualquer lugar que eu estivesse dali por diante. As mãos alvas, de unhas bem feitas e cuidadas, estavam pousadas sobre o assento da frente. Lembraram-me as de uma pianista. Não pude deixar de observar de soslaio seus braços delicados, seu colo, notando sua respiração e algumas sardas que lembravam estrelas. Com medo de ser notada em minha indiscrição, fechei os olhos e assim fiquei até chegarmos, tentando me tornar indiferente ao calor que ela emanava e ao quase roçar de nossas pernas a cada solavanco da estrada. Poderia ter me aproveitado daquele instante para sentir sua pele, a penugem loira de seus braços, mas preferi ficar quieta. Não queria trincar o cristal.

Quando o ônibus finalmente parou, me ergui antes dela e dei as costas sem um cumprimento. Preferi parecer mal-educada a soar insegura. Foi quando ela tocou meu ombro, me fazendo retroceder:

- Você me lembra tanto uma pessoa.

Eu me senti corar e me odiei. Respirando fundo, olhei-a de frente, pensando “Calma, Jordana! Ela é apenas uma daquelas menininhas mimadas que você só gosta de ter na cama! Vai dizer, como outros tantos, que você é a cara da Lúcia Veríssimo e blá, blá blá...”

Mas antes que eu encerrasse meu monólogo interno, Maria Amélia, me fazendo mergulhar em sua íris, confessou:

- É a cara de um ex-namorado. A versão feminina dele, poderia dizer.

Se eu havia corado antes, não sei que cor me estampou naquele momento. Não tive o que lhe, nem me dizer. Sorri sem graça, não sabendo se me sentia lisonjeada ou atingida com o comentário. Percebendo minha dúvida, Maria Amélia me aliviou:

- Não costumo me lembrar do que não me marcou.

Apesar da ambiguidade da frase, tive a certeza de que havia sido um elogio. Ela sorriu e saiu antes que eu pudesse me recompor.

Fabiana, que havia assistido a cena ao longe, me interpelou no pátio da faculdade, ávida para saber o que havíamos conversado. Dali rumamos para a praia e a conversa durou uma longa caminhada. Ao final, minha amiga, como sempre, me consolou:

- Pode soar preconceituoso, Jordana. Mas não imagino uma hetero sem o mínimo de interesse que aborde uma mulher sabidamente lésbica para lhe dizer que ela parece com um ex que muito amou.

- Ela não disse que o amou, Fabiana.

- Existem coisas que não se precisa dizer – minha amiga tinha razão.

Vieram as férias do meio do ano e com elas o desencontro. Não veria Maria Amélia por bons dias, o que, de certa forma, talvez me fizesse bem. Aproveitando o ensejo, dei um tempo nas saídas com Cristiana e tentei me concentrar nos estudos. Sabia que teria um concurso em breve para nível técnico no Ministério Público Federal onde eu estagiava e queria passar. Isso já me garantiria um excelente salário e uma vida estável para continuar estudando. Tinha por meta me tornar Procuradora da República e esse deveria ser meu foco desde já.

Dra. Ágata, a Procuradora-chefe à qual eu era subordinada no estágio, desde o início me apoiava. Eu tinha por ela o maior respeito e admiração, o que, talvez, tivesse influenciado em minha escolha. Ela era, em termos profissionais, minha inspiração. Nos primeiros meses já me confiara a minuta de alguns pareceres e se disse empolgada com o resultado. Elogiara minha escrita e meu esforço. Disse que poderia ser minha mentora, caso eu decidisse dar continuidade em minha carreira como membro da instituição. Eu não perderia aquela chance.

Aos poucos, ela ia me indicando livros, me ajudando a fazer planos de estudos, sempre atentando para o calendário das provas e dos concursos. Além de mentora, foi se tornando uma amiga. Deveria ter em torno de quarenta anos, era mais inteligente do que bonita, extremamente alinhada e polida. Vestia-se e se portava de maneira impecável em qualquer circunstância, inclusive em uma das tardes em que cheguei desorientada no estágio.

Eu havia discutido ferozmente com minha mãe por questões ligadas à minha homossexualidade e chegara à Procuradoria visivelmente consternada. Havia até chorado, o que me era muito doloroso, posto que nada comum. Dra. Ágata estava sozinha na sala quando eu entrei, pensando que minha chefe ainda não havia chegado. Levei um susto e me desculpei imediatamente, virando-me para sair, mas fui impedida. A voz firme se fez cálida, me convidando para ficar e conversar.

Foi nesse dia em que lhe falei um pouco sobre minha vida e as intempéries que vinha enfrentando em casa por conta de minha sexualidade. Ela não demonstrou nenhuma surpresa, ao contrário. Parecia saber bem sobre o assunto, o que me fez supor que certamente era em virtude de sua profissão. Como membro do Ministério Público, ela lidava diretamente com minorias, laborado em sua defesa. Comigo não seria diferente, pensei eu, sentindo apoio e segurança.

Dali em diante, além de chefe, Dra. Ágata passou a ser em minha vida uma mulher mais velha, forte e experiente, que se punha a escutar aquilo que minha mãe não conseguia. Nossas afinidades, a cada dia, transpareciam e eu não sabia como agradecer a ela e ao Divino por aquele encontro.

Sentia-me tão bem naquele ambiente que tomei uma resolução: nas minhas férias passaria os dois expedientes na Procuradoria. Um estudando, outro trabalhando. No início, foi bastante cansativo, mas logo peguei o ritmo. Saia de casa cedinho, com meus livros e a roupa da academia. Estudava a manhã inteira, depois almoçava um sanduíche natural com suco na cantina e só então ia para o gabinete da Procuradora, onde a assessorava durante toda a tarde.

Como Dra. Ágata só chegava por volta das quatorze horas, aproveitava para, depois do almoço, baixar a cabeça em minha mesa e dar um cochilo de quinze minutos para renovar as energias. O ar-condicionado gelado e o silêncio sempre me ajudavam. Sem esforço, numa tarde de sexta, com o cansaço da semana acumulado, adormeci.

Acordei com batidas na porta, o que me fez erguer a cabeça com susto. Não era Dra. Ágata, que, por razões óbvias, não batia. Fui à porta e a abri. Sem saber se era sonho ou realidade, vi Maria Amélia em minha frente. Fiquei sem ação e sem palavras. Ela olhou-me com ar de riso e logo desviou os olhos azuis para minha testa, comentando:

- Tem uma marca vermelha bem ai!

Cedendo ao riso, me descontrai e justifiquei:

- Quem manda dormir no estágio quando se tem a cabeça pesada?

Convidei-a para entrar e sentar. Logo soube o motivo da visita. Dra. Ágata era a orientadora de Maria Amélia na monografia de final de curso, o que ouvi quase sem acreditar. Ela escreveria sobre o princípio da afetividade como caracterizador das uniões homoafetivas como entidades familiares. Ai sim, quase cai para trás.

Timidamente, foi me falando um pouco sobre o tema que eu tanto conhecia, diga-se de passagem. E assim fomos passando o tempo, enquanto minha chefe não chegava. Eu tomei um café forte, ela aceitou uma água. Os olhos dela fulguravam enquanto conversávamos. “Nem parecem reais de tão bonitos”, pensei em voz alta. Só percebi quando ela me perguntou:

- O que?

- O quê o que? - Repeti, confusa.

- O que nem parecem reais de tão bonitos?

Não tinha como fugir, nem queria:

- Seus olhos.

Nesse instante, Dra. Ágata entrou e passou por nós, levando a orientanda e me deixando suspensa no ar.

Não vi quanto tempo levou até que a Procuradora abrisse a porta, em sinal de que havia terminado a reunião com sua aluna do quinto ano. Maria Amélia ainda conversava com Dra. Ágata quando passou por mim na ante-sala. Despediram-se com um beijo no rosto, ainda falando sobre os últimos detalhes da tese, enquanto eu observava calada. Minha chefe deu as costas e Maria Amélia fez menção de sair, acenando para mim com a cabeça, se despedindo. Antes de atravessar a porta, no entanto, parou e retrocedeu com um pedaço de papel na mão. Sob minha mesa, pousou o número:

- É meu telefone, caso você queira ouvir mais sobre minha dissertação.

Hesite alguns instantes diante do papel que me oferecia. Como ela continuava com a mão pousada sobre ele, resolvi pegá-lo para mim. Nossos dedos se tocaram de leve, o que a fez retirar a mão bruscamente e partir. Será que ela me queria ou será que eu seria apenas um objeto de pesquisa?

Repeti minhas indagações para Fabiana e Natascha assim que nos encontramos a noite na academia. A primeira respondeu que Maria Amélia me queria; a segunda, que eu tava tendo alucinações enquanto cochilava no trabalho.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

TODO AZUL DO MAR (Conto)


Capítulo II


O SEGUNDO SONHO


Os dias se passaram e nada de interessante aconteceu. Professores chatos, estudos corriqueiros, discussões em casa, encontros nos corredores da faculdade entre as aulas. Apenas no final de mês pude afirmar o contrário: eu e Fabiana fomos aprovadas no estágio do Ministério Público Federal, um dos mais concorridos entre os estudantes de Direito. Agora eu ganharia algum dinheiro, causaria algum orgulho a meus pais e, de quebra, poderia voltar a sair, pelo menos, aos sábados.

Dito e feito. Sábado à noite saímos para comemorar. Fomos a um dos bares mais alternativos da cidade, que se chamava Divininha. Rimos bastante das piadas de Evandro, do mau-humor constante de Natascha, das frescuras de Fabiana, das manias de perseguição de Camilo e de minha mais nova conquista: a professora de dança da academia, que era para lá de gostosa e estava me dando toda bola do mundo, apesar de se dizer hetero convicta. E nessa brincadeira, a noite passou sem pedir licença, enquanto misturamos pinga com mel – especialidade do bar – com caipifrutas das mais variadas. Aproveitei que dormiria na casa de Fabiana para me livrar do relógio e dos limites. Meus pais não estavam me esperando e eu me dei o direito de amanhecer o dia ao lado de meus amigos à beira do mar.

Chegando à casa de Fabiana, tomei um banho gelado e cai na cama. Os pais dela haviam viajado e tudo estava em paz. Ela fechou as cortinas, ligou o ar condicionado no máximo e o dia se transformou em noite. Adormeci profundamente.

Olhei para meu corpo e eu não era eu. Defronte a um espelho gigantesco, me observei cautelosamente. Era uma mulher de aproximadamente quarenta anos, esguia, ruiva, com a pele coberta de sardas e os olhos esverdeados, maduros, com algumas rugas marcando os cantos. Vestia uma roupa escura, com um cachecol bordô e botas longas. Ao passo em que me analisava, senti a temperatura baixíssima. Olhei então ao redor. Estava numa sala imensa, cujas paredes eram de pedras cinza. Uma lareira fulgurava próxima aos sofás de veludo vermelho. Tapetes cobriam o piso de mármore. Parecia um castelo antigo. Janelões de vidro permitiam ver a neve que caía, esbranquiçando a tarde. Ao me virar, vi atrás de mim um balcão onde um rapaz vestido com roupas formais atendia os hospedes. Sim, era um hotel antigo onde eu estava. Uma moça loira, mais jovem do que eu, falava com aquele que parecia ser gerente. Como se sentisse meu olhar sob suas costas, ela se virou e sorriu. Era minha esposa. Estávamos na Inglaterra. Lembrei de tudo, como se aquela existência minha viesse numa rajada de vento. Aquela viagem era nossa lua-de-mel.

Ângela estava tentando conseguir para nos duas a suíte principal. Era o quarto que havíamos namorado no site, meses atrás, quando nos deparamos com o anúncio sobre o antigo castelo medieval que agora fazia parte do roteiro do charme. Quando ela me piscou o olho, tive a certeza de que havia conseguido convencer o jovem com seu infinito poder de persuasão.

Enquanto caminhávamos para o quarto de braços dados, eu observava as paredes enormes e de pedras que tomavam os corredores. Vários quadros disputavam espaço, certamente dos antigos habitantes do castelo. Gerações passadas se faziam presentes, dependuradas.

No elevador antigo, certamente adaptado ao espaço, entramos encolhidas, ao lado do funcionário que trazia nossas malas. Ângela aproveitou e, me segurando carinhosamente, aproximou o rosto de meu ouvido:

- Não era isso o que você tanto queria? Finalmente chegamos!

No ultimo andar, as grades douradas foram aberta. Estávamos numa espécie de torre. Encantadas com cada detalhe do lugar, caminhamos para a última porta. Ali era a suíte principal. Estendi uma cédula para o jovem, que pousou as bagagens no quarto e se retirou educadamente, deixando-nos a sós.

Entrei na frente de Ângela que, distraída com a vista da janela, não notou meu espanto. Fiquei estática, parada diante da cama imensa de lençóis carmim. Na parede, sob a cabeceira, dormitava um quadro. Só podia ser a dona do castelo e, certamente, daquele quarto. Os olhos azuis e conhecidos me fizeram perdem os sentidos e me senti desfalecer. Antes de cair no chão, uma fagulha de memória se acendeu em minha mente. Tive a imagem de uma lança transfixando o peito da mulher do quadro. Vi morrer minha dama de olhos azuis. Novamente a perdi.

Fabiana me segurava pelos ombros, enquanto eu chorava convulsivamente. Ao me deparar com o olhar preocupado de minha amiga, foi que tive consciência de que havia tido mais um sonho. Tomei a água que ela me oferecia e me sentei na cama. Estava com o corpo febril e os ouvidos zuniam como se submetidos a um estampido. Não conseguia ouvir direito o que Fabiana me dizia, nem conseguia falar. Fiquei assim aturdida por alguns instantes. Minha amiga abriu as janelas do quarto. Já era meio-dia. Respirei fundo, buscando o ar que me faltava e ousei me erguer. Atravessei o quarto, pisando em sonho e realidade. Encostei-me na sacada da janela. A piscina cintilava e o dia estava lindo. Em nada se parecia com o dia de nevasca que acabara de experimentar nos arredores de Londres.

Fabiana se encostou ao meu lado e, ali mesmo, enquanto apreciávamos a vista, recuperei os batimentos de meu coração e lhe contei meu novo encontro com a moça de olhos azuis. E o mais estranho: apenas os olhos se mantinham iguais ao do outro sonho, não o corpo, tampouco a face.

Aquele domingo foi mais melancólico que o de costume. O sonho me perseguiu cada segundo. À tarde, nos encontramos com Natascha e Vitor, seu filho, para um passeio na feirinha hippie e uma água de coco. Depois, andamos pelo calçadão e encontramos Evandro e Camilo, que tomavam um sorvete numa barraquinha em frente ao mar, como de costume. Ficamos ali jogando conversa fora, nos preparando para segunda, que começava com a aula chatíssima da bela professora de Direito Internacional. Os olhos azuis, todavia, não me deixavam nem por instante. Vira e vexe, me via procurando por ele entre os passantes.

A semana começou e continuei minha vida tentando dar a ela os mesmos ares de normalidade. Eu e Fabiana começamos o estágio; as provas da faculdade estavam terminando; Evandro, Camilo e Natascha programavam nossa noite de ano novo; a professora de dança havia me convidado para a confraternização da academia e meus pais estavam novamente amorosos. Apenas um sentimento permanecia me incomodando: era o desejo insano de reencontrar a moça de olhos azuis que sempre me embalava antes do sono.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

TODO AZUL DO MAR (Conto)


Capítulo I

 

 

O PRIMEIRO SONHO

 

 

Como se buscasse sobreviver, fechei os olhos. Os dedos trêmulos e gelados, deslizei no couro cabeludo, tentando reconhecer a textura de meus cabelos. Tive vontade de arrancar cada um dos fios que prendi, cravando as unhas por onde passava, me machucando na tentativa de, com uma nova dor, encobrir a outra. Na confortável cadeira de couro, girei e girei e girei, enquanto as luzes da festa piscavam, misturando cores e suas ausências. Escuro, escuro, tudo escuro dentro de mim. A música alta batia, reverberando nas caixas de som que ficavam logo atrás.

 

Contrariando meus instintos, abri os olhos para ver se era realmente verdade o que vira. A cena continuava ali. A aniversariante beijava o jovem que tinha a mesma idade dela. Ambos com dezoito anos, belos, ávidos, pareados: um par digno de nota para toda a festa. Ele era meu irmão; ela, minha paixão.

 

Enquanto observava os dois dançando, me valendo da momentânea escuridão que acompanhava a música lenta, senti meu peito doer. Era uma dor profunda, que me fez comprimir os olhos, me encolhendo como se tivesse levado um soco no estômago. Sentindo o suor frio brotar de minhas mãos, deslizei-as em minhas pernas, buscando enxugá-las na calça jeans desbotada que vestia. Vi minha pele branca constatar com o escuro do tecido, assim como a pele dela contrastava com o escuro da sala. Foi quando ela abriu os olhos por cima dos ombros dele, me buscando, me fisgando com aquele olhar azul, como costumava fazer.

 

Em seus olhos, que se fixaram nos meus e assim se mantiveram por alguns segundos, pensei ver alguma hesitação e tristeza. Seria mesmo hesitação e tristeza? Não soube responder. Fechei os olhos novamente e assim fiquei, girando a cadeira até me por de costas para aquela visão, enquanto desejava perder os sentidos e sai dali.

 

Imersa em meus pensamentos, senti meu corpo adormecer e me perdi no tempo. Não sei quanto me demorei naquele estado. A vodka talvez tenha ajudado. Não sentia mais vontade de chorar, nem de gritar. Sentia apenas um peso enorme sob minha cabeça. De repente, mãos leves tocaram meus cabelos, afagando-os. Instintivamente, me virei e me deparei com ela. Sim, era tristeza o que cintilava nos olhos azuis.

 

Olhamos-nos em silêncio. Eu sentada, ela defronte a mim. Contrariada, me ergui, desejando passar por ela de forma brusca. Não consegui. As mãos suaves agora me prendiam, pressionando meu braço e me obrigando a ouvir:

 

- Você sabe o que eu sinto por você!

 

Tive ódio daquela frase, daquela boca que acabara de beijar outra e que eu tanto desejava, daquela mulher que fazia meu corpo tremer de tanto querer, de tanta paixão contida. Tive ódio, sobretudo, daqueles olhos azuis tão lindos que me fizeram amá-la desde o primeiro instante em que a vi.

 

Como ela podia ser tão cínica? Como podia ousar se justificar diante de mim? Como podia ter ficado justamente com meu irmão na minha cara, quando sabia a dor que me causava? O ódio rompeu meu peito quando a indaguei:

 

- Por que não me deixava em paz?

 

Puxei meu braço, desvencilhando-me. Mais uma vez ela me segurou, ignorando os olhares dos convidados. Entre os dentes, com a voz abafada e a cabeça baixa, deixou escapar:

 

- É você quem amo.

 

Em desespero, questionei, mais para mim e para Deus do que para ela propriamente:

 

- Então por que não podemos ficar juntas? Que tipo de maldição carregamos?

 

Acordei sobressaltada e sem resposta. Não sabia quem era aquela moça, embora o sentimento que ela me causara fosse tão real e familiar. Dentro de mim, a revolta por ter acordado. Queria ter olhado para ela mais uma vez. Era como se pudesse reconhecê-la, caso tivesse mais alguns segundos em sua companhia.

 

Com o coração ainda acelerado, fechei os olhos, querendo retomar o sonho, mas meu corpo estava por demais acordado. Todos os meus sentidos se faziam à flor da pele. No escuro do quarto, me senti extremamente só. Um frio estranho se fez presente e eu puxei o edredom, encobrindo minha cabeça na tentativa de abafar, a bem da verdade, meu coração. Não sei quanto tempo depois adormeci.

 

No dia seguinte, a caminho da faculdade, enquanto dirigia pela BR, o sonho me voltou à lembrança. Os olhos azuis ainda estavam em minha mente, perfeitamente definidos, detalhe por detalhe, como se fossem um retrato impingido dentro de mim. O rosto dela, todavia, já não se fazia tão claro. O esquecimento queria roubá-lo. Com força, busquei me recordar de seus traços, mas só me vinha com precisão o olhar azul e o sentimento que aquela criatura me despertou. Uma saudade infinita me assombrou e me fez querer chorar enquanto aumentava a velocidade. O que estava acontecendo comigo?

 

Tentando aliviar o turbilhão de sentimentos, busquei as estações do rádio. Deparei-me com “Todo Azul do Mar”, na voz de Flávio Venturine.

 

Instantaneamente me recordei de um episódio de minha infância. Havia sido meu aniversário e eu ganhara um LP repetido. Fui trocá-lo com minha mãe no dia seguinte. Na imensa loja de departamentos, uma capa me chamou a atenção: 14 Bis. Não sabia do que se tratava. O LP era preto, as letras vermelhas eram de fôrma. Algumas luzes davam cores à fotografia. Sem compreender, escolhi imediatamente aquele. Levei o LP desconhecido para casa e, deitada em minha cama, coloquei na vitrola a primeira música: Todo Azul do Mar. Com nove anos, ainda desconhecedora do amor e suas entranhas, senti lágrimas quentes escorrerem de meu rosto. Uma dor estranha me invadiu o coração infantil sem que eu entendesse o porquê.

 

Desde então, durante muitos anos, repeti aquele ritual estranho: no final da tarde, depois de fazer meu dever de casa e andar de bicicleta com meus amigos até não aguentar mais, ia para meu quarto, abria a janela, me demorava alguns instantes observando as mangueiras balançando ao vento. Depois me deitava no tapete em silêncio, ignorando solenemente minha mãe, que gritava da cozinha para que eu fosse tomar banho. Enquanto sentia o suor secando em meu corpo franzino sob a brisa das cinco horas, colocava a primeira faixa na vitrola e fechava os olhos enquanto ouvia “Todo Azul do Mar”. A emoção sempre me embargava e era com um nó na garganta que ouvia a musica até o fim. Apenas após os últimos acordes e antes que começasse a segunda faixa, me erguia e retomava a vida, indo tomar meu banho e me preparar para o jantar em família. Era como se eu tivesse vivido aquele amor cantado e precisasse me recordar disso todos os dias antes de despertar novamente para minha infância.

 

Naquele momento, enquanto me lembrava do sonho e dirigia meu carro, ouvir justamente aquela música foi, no mínimo, estranho. Mas antes que eu pudesse divagar sobre uma possível conexão entre os fatos, avistei a faculdade e consultei o relógio. Já estava atrasada.

 

Cursava o segundo ano e já não me sentia tão peixe fora d’água quanto no primeiro. Entre os almofadinhas e as patricinhas do curso de Direito, encontrei alguns que, feito eu, destoavam. Formávamos uma particular gang: eu, Evandro, Camilo e Natascha. Evandro e Camilo eram namorados, o que, por si só, chamava bastante atenção. Natascha era gótica, usava inúmeros piercings e era toda tatuada. Eu era a mais convencional, apesar de meu cabelo enorme, minhas blusas de banda de rock e minhas calças folgadas. Além de nós três, Fabiana – minha amiga careta desde a época do colégio – também nos acompanhava. Era muito querida, companheira, autêntica e não se intimidava com os olhares dos outros, que a questionavam sempre como ela conseguia fazer parte daquela tribo estranha. Ela se limitava a sorrir e, quando muito, repetia as palavras de Caetano, justificando: de perto ninguém é normal. Nessa categoria, se incluía. E assim, íamos levando o curso, sempre juntos, fossem nos momentos de galhofa ou de drama.

 

Na minha casa, a situação não estava nada fácil. Tinha acabado de me assumir lésbica e, segundo meus pais, destruíra-lhes todos os seus planos. E, na afirmação egoísta e leviana, pouco importava que eu quisesse construir os meus. Aos trancos e barrancos, continuávamos convivendo sob o mesmo teto. Mais do que nunca, tentava me concentrar nos estudos, objetivando passar num concurso o quanto antes para sair de casa.

 

Como sempre, Fabiana me apoiava em tudo e resolvemos estudar juntas para concorrer a um estágio remunerado. Natascha, Evandro e Camilo, que estavam em outro momento e mais interessados nas farras, lamentaram nosso afastamento momentâneo, mas compreenderam. Para matar a saudade, já que não estávamos saindo sempre nos finais de semana, aproveitávamos os intervalos entre as aulas para conversarmos e rirmos nos corredores da faculdade. Naquela manhã não seria diferente.

 

Assim que estacionei, logo avistei os três. O professor havia faltado e não teríamos a primeira aula. Aliviada, caminhei pelo estacionamento, observando que Fabiana também acabara de chegar e já caminhava em minha direção para um abraço. Como era bom ter amigos!

 

Depois de ouvir Evandro e Camilo contarem sobre o final de semana agitado que tiveram, embalados pela inauguração da nova boate gay da cidade, foi a vez de ouvirmos Natascha se lamentado sobre o pai de seu filho que, mais uma vez, deixara de ir buscar o menino para passar o final de semana. Fabiana, assim como eu, havia passado o sábado e domingo estudando e não teve nada para contar. Foi quando resolvi contar de meu sonho.

 

Todos ouviram calados e apenas Natascha ousou uma explicação simplória:

 

- A dona dos olhos azuis só pode ser um grande amor que você teve em outra encarnação.

 

Apesar da seriedade usada na frase, rimos da constatação. Nossa amiga tinha mania de ser emblemática e adorava buscar respostas no mundo invisível. Mas o assunto morreu sem maiores divagações.