A caixa das horas
Pende, demora
Padece cheia de sonhos
Enquanto a pressa, inquieta,
Espera do lado de fora
Por vezes, com as mãos tremulas e as unhas roídas
Avançamos sobre a caixa lacrada
Buscamos abri-la, pedindo vida
Mas ela não cede
Mantém-se cerrada
Só a caixa das horas sabe a hora certa de ser devassada
Por vezes, com as unhas pintadas
Esmalte requintado, mais caro do que prato de comida
Cutículas impecavelmente tolhidas
Como se podadas tal qual jardim raro
Irritamo-nos com o supérfluo
Com os dias ocos de ofícios
Bate-nos na cara a futilidade
É quando buscamos manter a caixa fechada
Para que as horas não jorrem ao nada
Mas a caixa se abre insolente
Impulsionando-nos para a frente
É o tempo que, impiedoso e mesmo desperdiçado,
Passa
O laço que prende a caixa das horas é de cetim vermelho
Tingido pelo sangue dos que não suportaram a espera e cortaram os pulsos
O nó do laço é justo
E não se apieda dos mais apressados
Daqueles que tentam burlar a fita que guarda o tempo
Soube que o desenlace requer esquecimento:
Que esqueçamos o sangue, que esqueçamos o laço
Que esqueçamos a caixa, que esqueçamos o próprio tempo
Que lembremos apenas de nosso real alimento:
Não consumimos ponteiros, degustamos agoras
Não mastigamos relógios, saboreamos momentos
Quando, finalmente, não demarcamos em horas o que vivemos
É que, realmente, viveremos
Pois desatar a vida requer, antes de tudo, liberdade
Ser livre é descobrir que a caixa das horas não dormita fora de nós,
Mas sim dentro
Façamos, portanto, de um ano árduo, um segundo
E de um segundo, um século intenso
Se assim exigir nosso próprio calendário.
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