sexta-feira, 19 de agosto de 2011
INGRAMATICÁVEL
“Amar, verbo intransitivo”
Foi este o título do livro
Romance de Mário de Andrade
Amar, verbo intransitivo
Repito,
Reflito:
Dizia ele a verdade
Mesmo avessando a gramática
Pois amar é verbo arredio
Que não exige complemento
Não escolhe sujeito
Prescinde de objeto
Direto ou indireto
Choca-se em nós sem aviso,
Por vezes em forma de prêmio,
Outras, de castigo
Sempre sem escolha
E conjuga-se em todos os tempos
Em todas as pessoas
Atreve-se a ser plural e singular
Definido e indefinido
Ecoa no pretérito perfeito
E também no imperfeito
No mais-que-perfeito, repousa
E ousa retornar ao presente,
Mesmo contido,
Mesmo ausente
O amor não é só intransitivo
É também intransigente
No futuro distante, por vezes, prorroga-se
No infinitivo dos “r”s
Amar, amar e somente
Inventando, à revelia de nós, o “para sempre”
Mesmo em primeira pessoa
O amor substantivo
Também é palavra articulada:
Como se feita de líquido
Se amolda em toda morada:
Não tem face
Não tem cor
Não tem sexo
Não tem idade
Tem apenas um capricho:
Classificar-se como abstrata
Mas o amor é mais que isto
E burla mesmo o dicionário,
É sentimento concreto,
Teimoso,
Ingramaticável
Além das palavras,
Além das quimeras,
Além das vontades,
O amor, de tão concreto, é terreno
Onde se erguem indústrias,
Pontes,
Cabanas,
Miragens,
Onde crescem frondosas árvores
Onde descansa a chuva
De onde verte coragem
Feito navio sem leme,
O amor segue à escolha do vento
Propõe pacto contra o tempo
E vence
A singrar pelos mares
Mas o amor não é só verbo,
Não é só substantivo,
Não é só terreno fértil
De onde despontam abrigos
O amor também é semente
Que precisa ser regada
E, astuto, se desfaça
De pronome reflexivo
A exigir cumplicidade
É quando o desafio começa
E de navio sem leme
Transmuda-se em leme sem navio
Que finge ser guiado,
Que finge ter controle,
Que se acomoda nos particípios:
Amado e Amado
Até que um colide no outro
E o amor, compassadamente sepultado,
Encolhe, seca e morre
No silencio negligente
De não ser mais conjugado
Retomemos, portanto, a gramática,
As lições, os dicionários
Em busca de outra palavra
A completar o amor:
“Cuidado”.
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4 comentários:
Adoro suas poesias...mas lamento tanto q nao escreva mais contos...Bom dia!
Adoro as poesias de revolta, que quebra e deruuba tudo ao redor... Mas, não posso deixar de comentar que INGRAMATICÁVEL é a melhor do ano. Parabéns! :)
Rafa Lins
Perfeito, como tudo que vc escreve... Adoro seus poemas.
Adorei seu blog, Perfeito.
Suas poesias nos aconchega, vem de encontros aos sentimentos qua as vezes nem queremos ter o trabalho de pensar! Parabéns!
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