sexta-feira, 12 de agosto de 2011

COM MANSIDÃO

Piso de manso
Para não espantar os “normais”
E, ainda assim, os espanto

É que entro de olhos abertos
Vendo o mundo como deve ser visto
E entro com o olhar erguido
Sem medo dos julgamentos

Em meu andar, não oscilo
Busco o equilíbrio entre o que devo mostrar e o que não é preciso
Não desfilo em corda bamba
Tampouco caminho em muro
Escolho sempre um lado e pulo
Mesmo sem asas, pouso
Ouso, mesmo quando me machuco

Não sou pau para toda obra
Não sou amiga de todos
Escolho
E tento ser a melhor com meu pouco

Não temo o espelho
Confronto-me, comigo e com ele, diariamente
Com a mesma coragem, confronto todas as gentes
Inclusive as que não se enxergam, mas abusam do direito de notar defeitos
Alheios?

Não valorizo marcas
Contento-me com meu contento
Uso o que cabe em mim e, sobretudo, o que me cabe
O resto é desnecessário:
Pano para manga sem braço
Gola alta para degolado
Supérfluo que não liberta,
Ao reverso: acorrenta, sufoca e mata

Em minhas falas
Não troco pronomes
Diante da pergunta
Ouso dizer o nome
“Sim, sou casada”
“Não, não é com um homem”

Piso de manso
Para não espantar os “normais”
E, ainda assim, os espanto
Esta é a verdade

E, com mansidão, minha vida, com a dos outros, inevitavelmente, interage:
Aspiro poeira nas esquinas dos sorrisos
Vejo névoa nos olhares indecisos
Sinto o tremor das mãos que apertam a minha
E a piedade de quem me pensa doente
Sinto a aspereza dos dedos que me apontam
Ouço os sussurros que especulam minha vida
Finjo que acredito em quem se pensa inteligente
Cumprimento, com polidez, quem me cospe mentalmente
Tenho pena de quem prefere ir de escadas para não dividir o elevador comigo

Piso de manso e, ao mesmo tempo, firmemente
Para não espantar os dementes
E, ainda assim, os espanto
E, sem querer, os piso
Pois os dementes não andam, escorregam tal qual lama
E, covardes, migram
Para dentro de si mesmos
Da própria lama se alimentam
Enquanto cresço
Tal qual água que jorra de fonte:
Desponto

De fato,
Não sou igual:
Sorriu por ser feliz, verdadeiramente
Sem poeiras, sem névoas, sem tremores, sem aspereza
Sem lama
Falo em voz audível e com franqueza
Sem ensaios, sem escamas
Não me escondo nas ramagens, tal qual peixe
Pois sou água, como dito
Aperto mãos alheias por ter sido bem educada
Seguro a porta dos elevadores mesmo para quem opta por descer de escada
Nunca é demais o exercício

E, se querem saber,
Ouçam atentamente:
Sinto-me, deveras, elevada
Por não ser igual
Sinto-me, deveras, aliviada
Por ser “anormal”

Aos “normais”, meu sincero e manso obrigada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom!

Rafaela Lins