sexta-feira, 25 de abril de 2014

CONTRAÇÕES

Às vezes é preciso ser livre
Livrar-se da própria liberdade simétrica
Que se guarda casta para o final de semana
Livrar-se da rima que consola o texto, mas represa a fala
As asas do verso
Livrar-se na segunda-feira
Sem se importar se é segunda-feira
E viver um sábado
 
Às vezes é preciso ser leve
E andar lentamente, mesmo quando atrasado
Não se contorcer diante do erro, apenas aceitá-lo
Perder um prazo sem perder a paz
Dormir até mais tarde
Deitar mais cedo sem ver o jornal
Assistir os cabelos brancos sem medo
Rever fotos antigas sem peso
Se despedir da juventude sem choro
Sem se comparar
 
Às vezes é preciso ser forte
E rasgar a carta amada sem se lamentar
Arremessar a prova do crime nas águas escuras do tempo
Esquecer da vingança
Não exigir o perdão
Deixar de mergulhar e velejar
 
Mas para ser direito
É preciso ter sido avesso
E se avessar sangra
Sangue que só o escoar inteiro estanca
Sangue vermelho-carne
Carne viva, aberta, pulsante
 
Enquanto isso
Ser preso, pesado, covarde faz parte
Pois, Como diria Lispector,
"O que é vivo, por ser vivo, se contrai"
 
Contraio-me enfim
Às vezes
E, às vezes, de meu parto finalmente nasço em paz.

Um comentário:

Pedro disse...

É engraçado como o tempo não mudou a amizade e como nossa identificação é tamanha que nem a distância, nem os dias sem se ver fizeram diminuir, um pouquinho que seja, do bem querer que lhe tenho devotado por todos esses anos. É bom sentir um abraço de saudade, apertado, forte, doce. E melhor ainda é ver que continua a nos abrilhantar com suas poesias, crônicas e contos. De seu eterno amigo e fã. Um beijo grande.