Onde decantam os sonhos?
No ventre da mulher grávida?
No banco de sêmen à espera de inseminação?
Na córnea daquele que nasceu cego?
Na clareira da escuridão?
Na parede que, estática, deseja ser pássaro?
No guindaste que, suspenso, deseja ser chão?
Onde decantam os sonhos?
No quesito que foi anulado?
No coração a ser transplantado?
Na ambulância que corre rumo ao atropelado?
No gabarito que aguarda divulgação?
Onde decantam os sonhos?
Na janela que aguarda ser fechada?
Na moça que, da janela, aguada a carta?
No embrião que teme ser abortado?
Nas cápsulas que aguardam pelo tráfico?
No futuro, no presente ou no passado?
Onde decantam os sonhos?
No Vaticano ou na Nigéria?
Nas cores que querem ser quadro?
Na moldura que quer ganhar tela?
No prato que esfria à mesa?
Na mesa que foge à miséria?
Onde decantam os sonhos?
No mapa, na bússola, na contramão?
Nos sapatos que aguardam passos?
Nos passos que aguardam rumos?
Nos rumos que aguardam pés?
Nos pés que aguardam sapatos?
Onde decantam os sonhos?
Além ou aquém de onde estamos?
Além ou aquém de onde estão?
Garimpando a realidade
Os sonhos decantam em si próprios
Separando o líquido do sólido
O possível do insólito
A espera de quem os sonhem
– não importa quando nem onde –
Com legítima sofreguidão.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
LIMIAR
O pai toma banho, enquanto escolhe mentalmente a roupa para o enterro do filho
A moça escolhe a fantasia da segunda de carnaval, enquanto prova a de domingo
Um menino come lixo, enquanto espanta os cachorros
Uma menina vomita o café da manhã, pois engordou mais um pouco
A viúva escolhe a frase que irá registrar na coroa de flores
O moço escolhe o buquê que enviará para um de seus amores
O velho, esquálido, sem camisa, puxa a carroça para sustentar a família
O rapaz, vestindo Adidas, puxa ferro na academia
Uma mulher se lança do décimo andar e explode no chão
Um homem se lança de pára-quedas num rasante do avião
Um jovem ganha a vida fincando o machado na fronte dos bois até ouvir o derradeiro mugido, no matadouro
O outro, enriquece ouvindo Beethoven e sentenciando réus no Tribunal com caneta de ouro
O ministro, tomado de câncer, escreve seu testamento
O pescador, dourado de sol, iça velas ao vento
A mendiga, em silêncio e sangrando, suporta o estupro, estanque
A atriz, encoberta por lençóis de cetim, geme e goza, deslizando sobre seu amante
A bordadeira escolhe o ponto para bordar a última manta do natimorto
A modelo escolhe a letra para tatuar o nome do filho em seu corpo
E assim segue a vida,
Oscilando para a morte
Justamente agora,
Num golpe de caos ou de sorte,
Em que lado você pensa estar?
No B ou no A?
Engana-se:
No limiar.
A moça escolhe a fantasia da segunda de carnaval, enquanto prova a de domingo
Um menino come lixo, enquanto espanta os cachorros
Uma menina vomita o café da manhã, pois engordou mais um pouco
A viúva escolhe a frase que irá registrar na coroa de flores
O moço escolhe o buquê que enviará para um de seus amores
O velho, esquálido, sem camisa, puxa a carroça para sustentar a família
O rapaz, vestindo Adidas, puxa ferro na academia
Uma mulher se lança do décimo andar e explode no chão
Um homem se lança de pára-quedas num rasante do avião
Um jovem ganha a vida fincando o machado na fronte dos bois até ouvir o derradeiro mugido, no matadouro
O outro, enriquece ouvindo Beethoven e sentenciando réus no Tribunal com caneta de ouro
O ministro, tomado de câncer, escreve seu testamento
O pescador, dourado de sol, iça velas ao vento
A mendiga, em silêncio e sangrando, suporta o estupro, estanque
A atriz, encoberta por lençóis de cetim, geme e goza, deslizando sobre seu amante
A bordadeira escolhe o ponto para bordar a última manta do natimorto
A modelo escolhe a letra para tatuar o nome do filho em seu corpo
E assim segue a vida,
Oscilando para a morte
Justamente agora,
Num golpe de caos ou de sorte,
Em que lado você pensa estar?
No B ou no A?
Engana-se:
No limiar.
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