segunda-feira, 15 de março de 2010

APELO

Leitores,

Depois de muito sofrer e refletir, resolvi agir. Pode parecer pouco, porém, preferível um pequeno passo à inércia.

Escrevi esta carta - que segue nas linhas vindouras - ao Ministério Público Federal de São Paulo para que alguma providência seja tomada em combate ao preconceito claramente propagado pela Rede GLOBO.

Quem se identificar com a relevância do tema, por favor, faça o mesmo: www.prr3.mpf.gov.br, em “Acessibilidade” e “Contatos”.




"APELO

Confesso que nunca havia assistido a um Big Brother em toda a minha vida. Em verdade, não gosto e raramente assisto televisão. Motivos à parte – que, do meu ponto de vista, são tão óbvios quanto numerosos – resolvi assistir a este BBB10. Resultado: longe de me proporcionar divertimento, tem me causado mal-estar, angústia e revolta. É impressionante o descompromisso da GLOBO com qualquer valor! Se antes eu desconfiava, agora tenho a mais pura certeza: a emissora visa tão somente à audiência e ao lucro, ainda que, para tanto, tenha que afrontar o Direito e levar ao ar os maiores absurdos, disseminando, inclusive, de forma odiosa e clara, o preconceito.

Eu sou lésbica e me dói ver o resultado dessa ganância descompromissada da GLOBO, o reflexo imediato e patente que essa irresponsabilidade causa na população, sobretudo na parcela menos provida de senso crítico e de estudo (que é bem ampla, diga-se de passagem, nesse nosso país cujos índices de analfabetismo nem precisam ser relembrados).

Nós, os gays, já sofremos preconceito demais! Somos vítimas de um constante e antijurídico assédio social! A todo instante, de forma direta ou indireta, nos é cobrado – inclusive dentro de nossas famílias e de nossas casas, o que é mais absurdo! – que não demonstremos o afeto que possuímos por nossos pares! É-nos exigido que passemos despercebidos, fingindo masculinidade ou feminilidade, a depender do caso! É-nos cobrado que tenhamos que olhar para o lado antes de direcionar um olhar de amor aos nossos companheiros! Enfim, já somos pressionados demais para não sermos quem somos, em plenitude de direitos, em que pese pagarmos os mesmos impostos! Sinceramente, não precisávamos que ninguém – muito menos uma pessoa jurídica com o poder da GLOBO – fortalecesse esse odioso preconceito! Pensei eu – munida dos últimos resquícios de inocência – que a emissora havia colocado três homossexuais assumidos com o objetivo – louvável – de reduzir o preconceito, a ignorância sobre o tema, trazendo esclarecimentos, deixando de mistificar o assunto, desvinculando homossexualidade de promiscuidade, enfim, propagando o respeito, mas, boquiaberta, tenho assistido o inverso e o pior: em horário nobre!

Outro dia, Pedro Bial virou-se para Serginho (que é um dos gays) e, sem qualquer rodeio, indagou: você é ativo ou passivo? E eu, agora, pergunto: onde está o respeito à dignidade? Quem disse que ser gay dá o direito de devassar a intimidade de alguém desta forma? Que tipo de orientação Pedro Bial tem recebido da GLOBO para perguntar isto a um homossexual e não perguntar a um heterossexual se ele gosta mais de sexo anal, oral ou “papai-mamãe”? E não venham me dizer que quem “está na chuva é para se molhar”, que vai para o programa quem quer e está disposto a tudo! Ainda que isto seja fato, não contesto a postura do participante em responder, tampouco em participar. Estou aqui para contestar a postura do apresentador do programa e, consequentemente, da emissora! O que se deseja quando se expõe alguém desta forma? Preservar o respeito a esta pessoa e à sua orientação sexual é que não é! Não é a toa que tenho ouvido relatos de que, alguns grupos, ao atacarem verbal e mesmo fisicamente um homossexual na rua, têm gritado “Gang Dourada”, fazendo clara menção a Marcelo Dourado (que é homofóbico patente, sem meias palavras!)!

Restam, agora, as derradeiras perguntas: ninguém vai fazer nada? Onde andam os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade? Onde anda a máxima de Kant que define a dignidade – no âmbito jurídico e filosófico – como o dever de tratar o ser humano como um fim em si mesmo, jamais como um meio para a satisfação dos interesses de outros, muito menos quando este outro é, “singelamente”, a Rede GLOBO?

Escrevi uma monografia entitulada “Homossexualidade: direito ou defeito?”. No trabalho, trato do tema, primeiro, no âmbito extrajurídico – valendo-me da História, Medicina, Genética, Psicologia e Psicanálise – para, depois, passar ao âmbito jurídico, mais especificamente o Constitucional. Para tanto, analiso 5 (cinco) princípios constitucionais. Os 3 (três) primeiros – igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana – de caráter geral e 2 (dois) outros – pluralidade das entidades familiares e afetividade – específicos do Direito de Família. Paralelamente à análise dos significados e conteúdos dos princípios abordados, busco vislumbrar - e vislumbro! - a homossexualidade como um direito, verificando que ela encontra respaldo constitucional. Feita essa verificação, parto do mundo constitucional para o real, numa tentativa de comparar o juridicamente idealizado com o humanamente concretizado. Desta feita, observo que o preconceito ainda inviabiliza a concretização da justiça quando o tema é homossexualidade. Por fim, dou a resposta à pergunta, título do referido trabalho. Homossexualidade: direito ou defeito? E a resposta mostra-se óbvia: DIREITO! Chego a esta conclusão com base na Ciência e no Direito, longe dos "achismos" e dos argumentos pseudojurídicos, que só encontram terreno fértil na ignorância e na falta de capacidade de "amar o próximo como a si mesmo". Talvez sejam estes os fundamentos que precisam ser expostos através da mídia, do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal, enfim, de qualquer um que se disponha a fazer valer a Justiça!

Enfim, só queria registrar minha indignação, minha preocupação e pedir, por favor, que o Ministério Público Federal tome alguma providência jurídica, rápida e drástica, cumprindo com fidelidade e eficiência seus deveres institucionais, nos termos determinados pela Constituição Federal em vigor! Não é possível que, a esta altura do tempo e do Direito, uma emissora ainda coloque no ar uma pessoa – que, aparentemente goza das faculdades mentais e da simpatia do público – dizendo que “apenas os homossexuais contraem AIDS!”, como fez Marcelo Dourado. O que é isto? Ignorância ou maldade? Conclua-se por uma ou outra hipótese, trata-se, acima de tudo, de preconceito! Disseminação de preconceito!

Por fim, esclareço: falei sobre minha monografia porque quero pô-la a disposição, caso precisem de alguma fonte. Sei que existem muitas, mas, em meu trabalho, cuidei de resumir as principais. Pode facilitar.

Aguardo resposta e providências."

quarta-feira, 3 de março de 2010

MORDAÇA (Poesia)

Nascemos amordaçados
Embora abramos a boca, aos berros, ao sair da barriga da vida
A mordaça circunda o coração
Mas não os lábios
E comprime,
Impede,
Estrangula o que sentimos,
O “eu” que realmente nos anima

E assim,
Com uma mordaça cardíaca,
Imunda,
Espessa,
Apertada,
Crescemos em coma induzido,
Vigiado
O silêncio ao que realmente somos é o pacto
Que, antes de nascermos, o mundo trava conosco
Ainda que à nossa revelia

Nascemos em estado inconsciente de nós
Em latência amarga de amor próprio
Sob a placa de proibição e acesso restrito:
O amor ao outro também é rotulado
E amar o igual ostenta as placas de “impróprio”,
“Anormal”,
“Abominável”,
“Inconcebível”
Carregar estes letreiros é o passaporte,
O vale,
A senha para nos tornamos parte desse mundo
Que possui consciência própria e a única julgada digna
Mas que hoje, sob a lente da inteligência e o crivo da crítica, me enoja
Eu rasguei a mordaça sob a qual sucumbia minha vida
O preço, pago dia a dia
Eu posso!
A moeda é a coragem, não a rebeldia
E a recompensa é um coração que fala
É um coração que bate
É um coração que cita:
“Amai o próximo como a si mesmo”
E não há gênero,
Não há lei,
Não há regra,
Não há farsa,
Não há sexo
Não há mordaça que restrinja um amor genuíno
Eis o segredo que a mordaça inibia
E sob o qual meu coração sempre bateu
Ainda quando em coma induzido,
Vigiado,
Enforcado pelo nó da hipocrisia.